Resenha - Improv For Gamers

A melhor maneira de aprender a improvisar é improvisando... E esse livro irá lhe ajudar nisso!

Capa de Resenha - Improv For Gamers

ATENÇÃO: Recebi da Evil Hat uma cópia em PDF de Improv for Gamers para essa resenha. Ela apresenta minha opinião sobre o mesmo e pode não ser totalmente acurado.

RPGs. Role-Playing Games. Jogos de Interpretação de Papeis

Os RPGs se originaram a partir dos wargames, focando-se na ideia do jogo. Mas, com o tempo, eles alcançaram uma maturidade e profundidade, com jogos como Vampiro, Changeling, Lenda dos Cinco Anéis, Ars Magica, Sombras Urbanas, Castelo Falkenstein e Monsterhearts, entre outros, contribuindo, cada um a sua própria forma, para trazer ao jogo a interpretação de papéis, a ideia de ser alguém totalmente diferente e não apenas um avatar de si mesmo, como uma forma de explorar ainda mais as coisas, indo além das barreiras definidas.

Com o tempo, também, dois tipos paralelos de jogos surgiram ligados aos RPG: LARPs (Live-Action Roleplaying, Interpretação de Papéis em tempo real) como proposto pela a linha Mind’s Eyes Theater (nos cenários da linha Storyteller) e Castelo Falkenstein; e Story Games, Jogos de História, como Fiasco, Violentina e o recentemente financiado jogo australiano Good Society, onde as regras são quase inexistentes, servindo apenas como referências para serem usadas pelos jogadores imergirem em seus personagens, os papéis que escolheram para si mesmos.

Entretanto, para falar a verdade, RPGs são uma nova vertente de uma atividade social humana muito antiga. De fato, uma das mais antigas, a Contação de História. E uma das principais formas para qual a humanidade evoluiu isso foi o Teatro: dos Clássicos Gregos para a Commedia Dell’Arte a Shakespeare aos shows da Broadway, todos eles contam histórias que ainda nos fascinam, empoderam, e mistificam qualquer ser humano.

Nos RPGs, a história é contada no decorrer do evento: não há livro, script, ou qualquer outra forma de prever (ao menos totalmente) o que vai acontecer quando e como. Todos os envolvidos no evento irão colocar seu próprio tempero, seu próprio twist, não importando o quão pequeno, na história.

E isso portanto traz boas e más notícias. A Boa: não importa o quanto você jogue o mesmo cenário, com as mesmas regras e aventura, os resultados serão diferentes, não importa o quanto. Eles poderão ser bem sucedidos o tempo todo, mas como isso vai acontecer vai depender das decisões e circunstâncias do jogo (e dos dados)

Entretanto, da boa notícia surgem a má notícia: não há um script, portanto você deverá improvisar, não importa o quanto. E não são todos que são competentes o bastante em improvisação a tal ponto de o fazer de maneira fluída.

A boa notícia aqui é que isso é uma habilidade, que pode portanto ser aprendida e treinada.

Para isso, Karen Twelves fez alguns workshops focados em como melhorar as habilidades de improvisação de jogadores em geral, e os resultados desses workshops foram compilados no livro Improv for Gamers (Evil Hat, 2018).

A primeira coisa é que esse livro é agnóstico quanto a sistema. De fato, como ele é focado na parte de interpretação de papéis, ele pode ser usado não importa o sistema que você e seus amigos usem: você pode jogar o mais clássico dos clássicos dos OSR ao mais indie dos indies e em jogos de LARP e Story Games, e você terá com certeza algo útil no mesmo.

Segundo: esse não é um curso. Esses exercícios não devem ser entendidos como sequenciais: eles são baseados em exercícios de improvisação usados por atores e improvisadores para se prepararem antes de peças.

E como um antigo ator amador, com 10 anos de palcos, e um Jogador e Narrador de RPG por mais de 20 anos, posso dizer que eles funcionam.

Os exercícios apresentados no livro podem ser usados individualmente ou em grupo, o próprio livros trazendo sugestões de quais exercícios devem ser usados segundo suas necessidades. Alguns dos exercícios são melhores para jogadores de LARPs, outros para jogadores de mesa, e assim por diante. Alguns podem inclusive serem usados por jogadores online, mesmo quando você puder usar apenas a voz devido a restrições na plataforma, como no caso de usar o Discord. Exercícios como Three Things (p 12), Fortunately/Unfortunately (p 30), You Make Me Feel (p 48) e assim por diante podem ser usados para melhorar sua improvisação em jogos online, com poucas adaptações (como decidir a sequência de direita ou esquerda baseando-se na lista de usuários na sala online e assim por diante)

Você não precisa realizar todos os exercícios o tempo todo, e nem gastar tempo demais com eles: os exercícios são construídos para serem executados em alguns minutos (10 ou 20 minutos no máximo) e serem muito rápidos. Além disso, você pode os revezar conforme a necessidade.

Dito isso, Improv for Gamers é organizado da seguinte maneira:

A primeira sessão se chama What the Book is (O que é esse livro), e nele é dito como utilizar Improv for Gamers da melhor forma., com dicas sobre como alcançar os resultados desejados (de melhorar sua capacidade de improvisar) de maneira segura. Ferramentas como o X-card são mencionadas como uma forma de evitar desconforto ao executar-se tais exercícios: como alguns deles podem envolver contato corporal, eles podem ser desconfortáveis em certas circunstâncias. Desse modo, o Facilitador (a pessoa que irá coordenar os exercícios) deve ser cautelosa em como lidar com tais desconfortos e oferecer formas de deixar todos à vontade.

Dito isso, os exercícios começam pelos Warmers (Aquecimentos), que ajudam as pessoas a afiarem seus sentidos e criatividade para os exercícios mais focados. Esses exercícios são ótimos para uma despressurização rápida e divertida antes de recomeçarem o jogo, mesmo que você não queira fazer o serviço completo aqui. Os exercícios Three Things (p 12) e Convergence (p 16) são os melhores exemplos desse tipo de exercício, ao fazer com que os jogadores tenham que se esforçar para dizer “Três coisas que não podem faltar em um Covil de um Dragão” ou fazer com eles encontrem coisas que tenham “Asas” e “Magia” (Dragões, Fadas, Wyverns…)

A próxima sessão, “Yes, And…“ (Sim, e…), traz uma série muito importante de exercícios que permite que você aprimore sua capacidade de usar as ofertas de seus jogadores e narrador durante o jogo: ao menos em minha experiência pessoal enquanto Narrados, algumas vezes o Narrador trava quando as coisas saem demais do trilho que ele estava planejando ou quando coisas não podem ser simplesmente decididas de maneira arbitrária em uma tabela aleatória. Esses exercícios visam treinar seu pensamento rápido para responder a coisas e manter as ofertas que você dez desde o início, evitando que as coisas descarrilhem e ao mesmo tempo ajustando tudo para o estilo que o grupo como um todo está procurando.

Yes! Character Building (p 26) e Fortunately/Unfortunately (p 30) são exercícios muito úteis desse conjunto, ao fazer com que os jogadores pensem em ideias sobre como criar personagens (“Shukul é um Bárbaro… / Que vive na Floresta de Lava… / E que usa uma Espada de Cristal…“) e ao oferecer formas das pessoas entenderem que falhas são divertidas e devem ser celebradas (“Mateus era apenas um empresário comum..” / “Que felizmente tinha o coração de uma criança…” / “Mas infelizmente foi parar no estranho mundo mágico de Nest..” / “Onde felizmente ele se tornou um coelhal guerreiro de alto calibre…“) dessa forma ajudando na construção de personagens e de mundo.

A Sessão Character (Personagens) é mais focada em formas de construir o seu personagem, começando do básico (como desenvolvendo uma vozinha engraçada para seu rato de desenho animado policial de patrulha) e usando isso como base para construir o que você deseja/precisa. Além disso, ele mostra o quão importante é tentar expressar e aprender a ler as intenções dos personagens a partir de maneirismos: se o rato da patrulha está gaguejando, ele está mentindo? Com medo de algo? Se o seu personagem está batendo o pé, ele está ansioso ou nervoso? (“Mariana! Onde esse menina se meteu? Mariana!!!”) Desse moto, o jogador pode estrar o máximo de seu personagem e desse modo melhorar o jogo não apenas para si, mas para todo o grupo.

Conversational Trio (p 42) é um ótimo exercício pois ele pode ser usado mesmo em jogos online, já que ele não exige que se recorra ao corpo inteiro, mas possa se focar, por exemplo, nas vozes, como vozes bobas para desenhos animados ou poderosas para líderes, ou vozes violentas para pessoas perigosas e diabólicas. Desse modo, você pode ajustar à suas necessidades e limitação como você irá trabalhar as coisas com você e seus jogadores. Você pode até mesmo treinar vozes soturnas ao estilo noir (“Era uma noite chuvosa, como se todos os corações partidos estivessem amaldiçoando esse antro escuro e pecaminoso que eu chamo de lar…“) ou mesmo uma voz gaga e esganiçada ao melhor estilo Roger Rabbit (“P-p-p-p-por favor… Eu?! Fazendo alguma coisa errada? Você está louco, maluquinho, pinel, doido de pedra, deveria procurar o psiquiatra!”)

Relationships (Relacionamentos) é uma sessão focada em como garantir o desenvolvimento e a amostra dos relacionamentos que ocorrerem entre personagens, mantendo as coisas fluindo. Um dos mais simples e melhores exercícios aqui é Classic Cast (p. 50), onde você pode fazer os jogadores criarem ideias para personagens e relacionamentos baseados em uma situação na qual todos concordem: “Somos um grupo de policiais humanos e de desenhos humanos 5 anos depois de Uma Cilada Para Roger Rabbit” / “Eu sou Pericles Adamastor Stout, o Sargento do Distrito. Sou humano, mas sou careca e tenho cara de bebê.” / “Sou Matthew McCormick, um detetive humano que odeia a Desenholândia com todas as forças e só obedece Stout porque ele é o Sarja.” / “Sou Andraas Ratovitch, um policial de patrulha que é um rato de desenho animado que gosta do Pinky … Ou melhor, do Sargento Stout, e que tem calafrios sempre que perto do Detetive McCormick”

Na próxima sessão, Status, tudo é focado em como interagir com outros personagens, pressioná-los e como mostrar que você está por cima/por baixo, e como descrever os perigos envolvidos na cena. Você pode estimular seus jogadores a aceitarem o Status e o impacto do mesmo em situações específicas por meio de exercícios como Serial Numbers (p 58) e Death by 60 seconds (p 62).

Space Objects (Espaço dos Objetos), a próxima sessão, envolve como expressar por meio de mímica objetos de uma maneira divertida e segura. Esses exercícios são mais interessantes para jogadores e narradores de RPG presencial, já que jogadores de Live Action poderão ter adereços de cena que poderão usar, e jogadores online possuem os detalhes relativos ao jogo via Internet, especialmente quando há a ausência de webcams. Entretanto mesmo jogadores online poderão usar mímica de objetos como forma de reforçar coisas que eles queiram dizer por voz e com isso estando melhor focados na improvisação. Yes, Let’s! (p 72) é um exercício promissor por não demandar muito espaço físico ou tempo e sendo potencialmente divertido pela sua característica de certa forma aleatória (“Vamos todos entrar na masmorra/sair para a ronda pelo bairro/nos preparar para o show!”)

Timing é algo extremamente importante em jogos, e essa sessão é focada só nisso: algumas vezes você enquanto Jogador ou Narrador vai ter dificuldades de descobrir quando encerrar uma cena. No teatro, observar as deixas enquanto em cena é algo fundamental ao atuar. Ao improvisar tais coisas tendem a ser mais soltas, mas as pessoas devem aprender como dar e notar as deixas que lhe são oferecidas no momento certo. Para jogadores, isso é muito interessante, já que algumas vezes cenas podem se prolongar ad infinitum por nenhuma razão aparente apenas porque alguém está tentando explorar a cena além do necessário, sejam os jogadores ou o Narrador. Aqui temos exercícios como Half-Life (p 80) e Split Screen (p 84) que podem ajudar a desenvolver o timing e o senso para as deixas como forma de melhorar como lidar com cenas, em especial aquelas resultantes da improvisação derivada dos eventos do jogo.

Por fim, Scenework (Trabalhando a cena) vem complementar o que foi dito em Timing. Aqui, a ideia é aprender como improvisar a cena do início ao fim, como fazer as ofertas de modo que você possa as usar rapidamente, como empoderar seu parceiro de improviso (no jogo, seja o Narrador ou outros jogadores) e como finalizar cenas de maneiras simples Three-Line Stories (p. 90) e Montage (p. 92) são formas excelentes de fazer isso.

Após os capítulos de exercícios, três Apêndices se focam nas Técnicas de Segurança, como o X-Card, que garantem que todos se sintam seguros para aproveitar os exercícios desse livro. uma lista de frases de sabedoria e localizações/situações/relacionamentos a se usar em exercícios de improvisação; sugestões de jogos para aprimorar ainda mais a criatividade e a improvisação, como Fiasco, Archipelago, e #feminism; e leitura extra recomendada sobre improvisação .

Improv for Gamers não é um livro extremamente detalhado, e não se propões a ser. O design é feito de modo a ser limpo e simples, cada exercício colocado em um design de duas páginas que incluem os objetivos, instruções e dicas para aumentar o desafio no mesmo. O PDF é bem condensado e trabalhado, com todos os links e funcionalidades, como de costume para o padrão Evil Hat.

Considero Improv For Gamers como um produto 4.5 de 5, já que ele é mais um guia de referência, ainda que ofereça diretivas o bastante para ser usado por jogadores ainda “verdes” em exercícios de improvisação. O cuidado ao explicar os jargões básicos de improvisação usados no livro, como oferta, deixa e dotar, e de oferecer ao Facilitador mecanismos para realizar os exercícios de maneira segura, tanto física quanto mentalmente, é algo a ser respeitado e um compromisso bastante sério da Evil Hat a bastante tempo (Fate Horror Toolkit, por exemplo, possui o mesmo compromisso).

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