Domando o Fate - Parte 19 - Anatomia de um Teste

Publicado Originalmente no Site da Dungeon Geek

Parece estranho falar do Teste em Fate: como em muitos sistemas, a base do rolamento de dados do Fate é simples. Na prática, o teste no Fate é roll-over, ou seja, o seu objetivo é, ao somar a Perícia com o rolamento, obter um resultado superior à dificuldade (ou rolamento) oposto.

Entretanto, devido às próprias idiossincrasias do sistema, um rolamento em Fate é um tantinho mais complexo que mostrado. Aqui, portanto, vamos tentar oferecer uma espécie de anatomia dos acontecimentos que ocorrem durante o rolamento.

  • A Anatomia do Rolamento em Fate - versão de 30 segundos
  1. Determina-se a necessidade do rolamento, o tipo de ação, sua dificuldade e perícia envolvida
  2. Invoca-se Aspectos necessários à ação
  3. Efetua-se o rolamento
  4. Aplica-se modificadores baseados em Façanhas que sejam aplicáveis (se desejado)
  5. Avalia-se esse primeiro resultado
  6. Invoca-se Aspectos para melhorar-se os resultados (de todos os lados envolvidos)
  7. Repete-se (5) e (6) até que:
    1. Nenhum lado tenha mais Aspectos que possam ser usados
    2. Todos os envolvidos estejam satisfeitos com o resultado final
  8. Encerra-se o teste com o resultado final aplicado à história

Na prática, isso é muito mais intuitivo do que aparenta: esse processo é facilmente aplicável no dia a dia. Entretanto, fazemos essa estrutura necessária para comentarmos elementos importantes de mecânica em cada um deles, de modo a demonstrar a importância do uso de cada um desses elementos para chegar ao resultado desejado por ambos os lados.

Além disso, aqui não tratamos de situações envolvendo rolamentos complexos, como Disputas, Desafios e Conflitos, mantendo-nos nos rolamentos simples. Isso devido ao fato que tudo que dizemos aqui também se aplica a tais situações.

Dito isso, vamos começar a “destrinchar” um rolamento de Fate.

1. Determina-se a necessidade do rolamento, o tipo de ação, sua dificuldade e perícia envolvida

Para começar, determina-se se há a necessidade de um rolamento:

Em Fate, se prevê que você “Role os dados quando o sucesso ou falha de determinada ação possa contribuir com algo interessante no jogo.” (Fate Básico, página 175).

Isso parece bem simples, mas na prática não é tanto: algumas vezes, um sucesso em determinada ação pode não trazer nenhum movimento adiante e vice-versa. Se uma situação como essa ocorrer, apenas diga que o personagem é bem-sucedido ou peça 1 Ponto de Destino (imaginando que ele tenha Aspectos adequados) para que aquilo aconteça.

Dito isso, é necessário então determinar o tipo de ação. Lembre-se que em Fate quase todas as suas ações podem ser resolvidas por meio das Quatro Ações de Superar, Criar Vantagem, Ataque ou Defesa. Em um rolamento simples típico, muito provavelmente será uma ação de Superar ou Criar Vantagem, com qualquer oposição ativa tendo uma ação de Defesa a seu favor.

Agora que mencionamos isso, é parte desse primeiro momento a determinação de qual Perícia será usada e a Dificuldade da mesma. Lembre-se que quando mencionamos aqui Perícia, na prática colocamos uma Competência a ser testada, o que pode ser uma Abordagem do Fate Acelerado, o nível de um Aspecto de Boa Vizinhança, uma Profissão de Jadepunk, e assim por diante. Além disso, certas Façanhas podem permitir que, em certas circunstâncias os personagems possam efetuar rolamentos de alguma perícia usando outras em situações especiais.

E a dificuldade a ser determinada pode ser baseada em um rolamento oposto de um alvo ativo, ou nas circunstâncias específicas em caso de uma situação onde não existe uma resistência ativa.

O Fate Básico traz toda uma guia para se seguir para definir-se dificuldades. Em especial, fica as seguintes considerações:

  1. O “CD 10” de Fate pode ser definido em Razoável (+2): personagens treinados em suas perícias normalmente passarão em seus testes nessa dificuldade, talvez precisando usar PDs ou tendo sucessos com estilo quando estão muito acima.
  2. Fate é pouco granular, portanto lembre-se que, ao definir uma dificuldade, se ela estiver em um nível equivalente à perícia do personagem+2, é bem provável que ele possa Falhar ou precise usar Pontos de Destino para ser bem sucedido. Entretanto, caso a dificuldade seja igual à perícia do personagem-2, dificilmente ele irá falhar;
  3. Definir dificuldade como Medíocre (+0) é válido em situações extremamente fáceis ou cotidianas, mas para as quais possa ser interessante uma falha: pense em personagens tentando se misturar em uma multidão.
  4. Dificuldades acima de Ótimo (+4) devem ser reservadas a situações realmente sérias, pois mesmo os especialistas naquilo, personagens que tenham tais perícias como sua perícia-pico, terão alguma dificuldade para alcançar sucesso nesses momento: pense em um investigador tentando achar pistas em uma cena de crime que foi previamente limpa

Vamos buscar o exemplo que mostramos quando falamos pela primeira vez de ações e resoluções, quando Helen, nossa Guardiã com o Escopo da Fada Madrinha decide transformar seu parceiro Guardião Bobby em Mickey Mouse e usar esse processo todo para o descrever bem detalhadamente.

Primeiramente, vamos considerar: o resultado de sucesso e falha é interessante para a ação? Bem, eles tem uma missão de “Curar a dor de um coração puro” para obter maiores informações sobre o que aconteceu com eles e o que eles tem que fazer para voltar ao normal (se possível). E para isso eles vão trazer um pouco de Disney para um garotinho que não tem condições de ir para a Disney. Para o sucesso de tal missão, o sucesso nesse teste é fundamental. Entretanto, a falha é interessante: existe toda uma gama de efeitos mágicos bizarros que poderiam decorrer devido aos desastres que Helen enquanto Fada Madrinha pode provocar com alguma magia destrambelhada.

Dito isso, sabemos que precisaremos de um rolamento, já que o sucesso e a falha são interessantes nesse caso.

Em seguida, determina-se o tipo de ação. No caso, eles precisam de uma ação de Criar Vantagem, já que a transformação em Bobby será tratada como um Aspecto sobre o mesmo de Forma de Mickey Mouse (em caso de sucesso). Em caso de falha, toda uma gama de coisas estranhas podem vir na forma de Aspectos (Helen virando Minnie Mouse? Ou Pericles virando O Lobo Mau? Ou mesmo o Edifício Dakota virando o Castelo da Cinderela?)

Por fim, determinamos a perícia e a dificuldade. Como Bobby é um alvo voluntário e fazer tal mudança será algo razoavelmente fácil (ela não vai tentar fazer um Mickey Mouse Perfeito com tamanho proporcional, mas sim como se o Personagem do Parque tivesse vindo), a dificuldade será Razoável (+2). Caso Bobby fosse um alvo involuntário, Helen provavelmente rolaria contra alguma perícia dele, como Vontade. Esse tipo de coisa poderia demandar alguma perícia mágica, mas Helen possui uma Façanha chamada Bibbity-Bobbity Boo! para realizar tal rolamento usando Conhecimentos.

2. Invoca-se Aspectos necessários à ação

Nesse primeiro momento, o personagem pode resolver usar vantagens que estejam disponíveis por meio dos Aspectos do Personagem ou da cena para já meio que tentar garantir o sucesso.

Aqui é importante dizer que isso tudo é válido, desde que:

  1. Você tenha a possibilidade de usar tais Aspectos, tendo Pontos de Destino ou Invocações Gratuítas;
  2. Os Aspectos se apliquem nessa situação;

O objetivo aqui é tornar interessante o aproveitamento de Aspectos que foram criados previamente para melhorar suas chances de conseguir o resultado.

Importante: com Aspectos o bastante, é possível garantir o sucesso, não importa o resultado dos dados. Isso não é ruim, muito pelo contrário, é parte da própria filosofia do Fate, de tentar tornar qualquer ação interessante e seus resultados relevantes. Isso aparece quando você considera que a ação de Criar Vantagens permite trazer ao jogo Aspectos que podem ser usados EXATAMENTE nesses momentos, como uma preparação prévia para a ação propriamente dita (como discutimos anteriormente), isso faz com que, sendo narrativamente interessante, mesmo o ato de limpar a testa do cirurgião seja relevante (afinal de contas, Óculos Embaçados durante uma cirurgia cerebral não parece algo bom)

Como as coisas estão muito em cima da hora, não existem Aspectos de Cenário que Helen possa usar, e ela decide que é melhor guardar seus Aspectos de Personagem para caso os dados não lhe favoreçam. Se tivessem tido mais tempo, talvez ela pudesse preparar alguns Amuletos de Magia ou mesmo estudar um Ritual Mágico de Transformação, que apareceriam em jogo como Aspectos criados por ações prévias de Criar Vantagem. Mas… C’est La Vie.

3. Efetua-se o rolamento

Não existe muito mistério aqui, pois já apresentamos nessa série de artigos exemplos o bastante de rolamentos de dados. O padrão é 4dF (dados Fate), mas existem algumas alternativas que são apresentadas no livro básico do Fate, como d6-d6 ou o Baby’s First Fudge Dice. De qualquer modo, os dados serão rolados, já que já se determinou a necessidade do rolamento.

Júlia, a jogadora de Helen, rola os dados e consegue um -+--, tendo um resultado nos dados Terrível (-2)

4. Aplica-se modificadores baseados em Façanhas que sejam aplicáveis (se desejado)

Por que coloco aqui a parte de aplicar-se Façanhas, ao invés de colocar como uma parte fixa da avaliação do resultado do dado?

Primeiro, pode ocorrer que você não deseje aplicar uma Façanha: lembre-se que Façanhas podem, por exemplo, representar Equipamentos mais poderosos, e que podem incorrer no risco de derrotar um Alvo, o que pode não ser desejado, ao menos em um determinado momento.

Segundo, nem toda Façanha irá se aplicar. De maneira geral, existem dois grandes grupos de Façanhas:

  • um onde um bônus é aplicado quando um personagem usa uma Perícia específica é usada em um tipo de ação específica em um certo tipo de Circunstância específica. Tais façanhas só podem ser usadas quando TODAS essas condições (Perícia, Ação e Circunstância) se aplicarem;
  • outro onde determinadas coisas especiais podem ocorrer baseando-se em usos limitados por sessão ou cena ou ainda por meio do pagamento de Pontos de Destino ou circunstâncias especiais. Se tais requisitos não forem cumpridos, elas não podem ser usadas;

Dito isso, qualquer façanha que se aplique a um determinado teste pode ser usada em qualquer situação dentro do rolamento. Isso será mais importante quando visto abaixo em uma situação específica envolvendo Aspectos.

Helen de certa forma já está usando uma Façanha, Bibbity-Bobbity Boo!, para poder realizar sua ação, e suas outras duas Façanhas não se aplicam aqui…

  • Já li sobre isso pede para pagar Pontos de Destino para substituir uma perícia por outra… Isso não faz sentido nesse momento
  • Assistência Técnica também não é aplicável, pois só seria possível para Aspectos já criados, e o que ela está tentando fazer é criar um novo. Além disso, é só para ações com a perícia Recursos, não Conhecimentos.

5. Avalia-se esse primeiro resultado

Agora, é chegado a hora de avaliar o resultado.

Primeiro, vamos determinar o Esforço que o personagem obteve, ou seja, o quanto ele conseguiu fazer. Para isso, some o resultado dos dados com o valor da perícia, os bônus por Aspectos usados e com qualquer bônus envolvendo Façanhas que sejam usadas.

Após isso, compare o Esforço com a Dificuldade do teste:

  • Esforço menor que a Dificuldade: Falha
  • Esforço igual que a Dificuldade: Empate
  • Esforço maior que a Dificuldade: Sucesso
  • Esforço maior ou igual que a Dificuldade+3: Sucesso com Estilo

E siga as orientações sobre as quais já comentamos anteriormente para como determinar o que pode acontecer…

Bem…

Vamos avaliar o resultado:

  • A perícia de Conhecimentos de Helen é Bom (+3)
  • O rolamento foi Ruim (-2)
  • Helen não usou Aspectos ou possui Façanhas Aplicáveis.

Portanto o Esforço final de Helen é (3 + (-2)) = Regular (+1)

A Dificuldade tinha sido previamente estipulada em Razoável (+2)

Como o Esforço Regular (+1) é menor que a Dificuldade Razoável (+2), ocorreu uma Falha até aqui.

Isso pode querer dizer que Helen transformou Bobby totalmente em Mickey… Ou tornou o Central Park na Floresta Sombria da Branca de Neve, ou qualquer outra coisa…

.. imaginando que ela aceite esse resultado

6. Invoca-se Aspectos para melhorar-se os resultados (de todos os lados envolvidos)

Aqui entra uma coisa importante do Fate: a chamada Regra das Reticências

Um resultado só é considerado FINAL quando ninguém mais pode (ou deseja) o alterar. Existem algumas formas de se fazer isso:

  1. O lado derrotado pode tentar pedir um Sucesso a Custo. Isso se aplica em especial a testes de Superar ou Criar Vantagem, e permite que o personagem consiga o que deseja, mas com alguma consequência que pode variar de acordo com as circunstâncias e o resultado do rolamento.
  2. Qualquer um dos dos lados pode usar a Regra das Reticências, que envolve invocar qualquer Aspecto NÃO PREVIAMENTE USADO naquele Teste para obter bônus adicionais ao rolamento ou mesmo para pedir um novo rolamento.

Aqui é importante uma coisa:

Perceba que se diz qualquer Aspecto NÃO PREVIAMENTE USADO.

O que isso quer dizer?

Quer dizer que, em um único TESTE, um Aspecto específico só pode ser Invocado UMA ÚNICA VEZ!

E como isso afeta os Aspectos?

  1. Se você usar Aspectos Situacionais ou outros Aspectos que tenham Invocações Gratuítas, em geral você pode usar mais de uma das mesmas se você tiver disponível. Porém, você NÃO PODE DIVIDIR bônus entre múltiplos rolamentos dentro de um mesmo teste: você tem que declarar todas as Invocações que serão usadas de uma só vez;
  2. Uma das opções que um Aspecto tem é de “resetar” o rolamento, ou seja, fazer uma nova rolagem (basicamente, voltando para o passo 3 mostrado anteriormente). Entretanto, você descarta o resultado dos dados obtido e fica com o novo, MESMO QUE PIOR. Além disso, todos os bônus relativos a Aspectos usados no passo 2 são PERDIDOS!

Por isso é importante manter-se a consciência de que Aspectos podem ser usados UMA ÚNICA VEZ POR TESTE. O Teste só é considerado encerrado quando todos os lados envolvidos não podem mais interferir com o resultado por meio de Aspectos e/ou aceitam o resultado.

E por isso que existe a Regra das Reticências

Bem…

A situação não está nada boa para os Fae Guardians: um Bobby pirado como Mickey ou uma Floresta Mágica brotando no Central Park não é uma boa ideia de maneira alguma.

Helen avalia então suas opções e decide recorrer a um de seus Aspectos:

Helen iria falhar, mas… - REGRA DAS RETICÊNCIAS

… como Helen é uma Pobre Menina Rica, ela se sente solidariezada com a tristeza do garoto e, ao ver que a magia não está funcionando ela se aplica um tanto mais para transformar Bobby em Mickey Mouse, ao mover sua varinha e enunciar suas palavras mágicas: ‘Até uma criança alegrar, um rato de desenho serás! Bibbity-Bobbity-Boo!’

Claro que o Narrador poderia utilizar qualquer Aspecto de situação para impedir que os Fae Guardians fossem bem sucedidos, como Energias Mágicas Espúrias afetando a magia, ou mesmo um Paparazzi que aparece no pior momento e prejudica a concentração de Helen!

Se ele tivesse algum…

7. Repete-se (5) e (6) até que:

Após essas invocações, é necessário reavaliar o resultado, repetindo os passos 5 e 6 e levando em consideração os Aspectos novos envolvidos e Façanhas que o personagem pode desejar usar.

Ao considerar a invocação adicional de Pobre Menina Rica, o narrador soma +2 ao Esforço de Helen, elevando o mesmo para Bom (+3) (Perícia Boa (+3), Dados Terrível (-2), +2 por Pobre Menina Rica), o que faz com que o Esforço seja maior que a Dificuldade Razoável (+2), resultando em um Sucesso

Isso se repete até que uma das Condições abaixo ocorra

1. Nenhum lado tenha mais Aspectos que possam ser usados

Tecnicamente, nada impede que um personagem vá colocando Aspecto em cima de Aspecto para ir melhorando cada vez mais, ad infinitum, o resultado obtido. Em testes comuns, isso é meio desnecessário, mas em especial em ações de Ataque, onde a Diferença entre Esforço e Dificuldade determinam o Estresse provocado, isso pode ser interessante.

Por outro lado, o Narrador pode também esperar os jogadores usarem um Aspecto para ele próprio usar Aspectos para aumentar a dificuldade do rolamento (ou o Esforço do rolamento oposto), desde que existam Pontos de Destino ou Invocações Gratuítas o bastante para agir.

Helen tem um Sucesso… Ela vai conseguir transformar Bobby em Mickey…

Mas isso não é o suficiente, pois ela sabe que seu Bibbity-Bobbity Boo! normalmente é imperfeito: ela ainda lembra da Carruagem com Cheiro de Abóbora que ela fez em um treinamento com as Fadas Madrinhas (muito cliche, para falar a verdade). E ela percebe que, conforme Bobby se torna Mickey, ele faz comentários engraçadinhos sobre o fato de ainda estar com seus tênis Vans, e não os icônicos sapatos amarelos de Mickey:

Enquanto ela reponde o comentário de Bobby com um “Meeska-Mooska Vai se lascar!” (“Que feio, Dona Fada!”), ela vê que ainda tem Pontos de Destino e pode recorrer ao seu Aspecto de Portadora da Fada Madrinha para melhorar ainda mais seu resultado. Com isso, ela consegue melhorar seu Esforço ainda mais para um Excepcional (+5) (Perícia Boa (+3), Dados Terrível (-2), +2 por Pobre Menina Rica, +2 por Portadora da Fada madrinha), o que faz com que seu resultado seja um Sucesso com Estilo, fazendo com que o Narrador considere que isso elimina a imperfeição do Bibbity-Bobbity Boo! que ela fez, fazendo os tênis de Bobby virarem os icônicos e esperados sapatos do Mickey.

2. Todos os envolvidos estejam satisfeitos com o resultado final

Claro que os personagens ou o narrador podem simplesmente aceitar os resultados dos dados, ou aceitar Sucessos a Custo em casos de Falha. Além disso, cedo ou tarde os personagens e o narrador se cansam de ficar em uma “corrida armamentista” de Aspectos e Pontos de Destino para tentar melhorar tanto seus resultados, ou podem simplesmente esgotar seus recursos para tal.

Tão logo isso ocorra, o resultado final é aplicado à história e considerado final.

Importante isso: tão logo o resultado seja considerado final, ele é FINAL. Quaisquer Aspectos usados podem ser usados em futuros testes, e quaisquer Aspectos que possam desaparecer como resultado das ações desaparecem (isso é excepcionalmente verdadeiro para Impulsos).

8. Encerra-se o teste com o resultado final aplicado à história

Por fim, uma vez o resultado final tenha sido declarado o Narrador, com a ajuda dos jogadores, descreve o que aconteceu como resultado do rolamento.

O Narrador Lúcio avalia a situação e diz: “Beleza: quando você termina de mover sua varinha mágica e entoa seu feitiço ‘Até uma criança alegrar, um rato de desenho serás! Bibbity-Bobbity-Boo!’, você vê que Robert vai mudando de forma, suas roupas ficando escuras até que tudo o que ele está vestindo, além da pele preta do Mickey, é o icônico calção vermelho com botões amarelos, que ele ajusta usando suas mãos enluvadas de quatro dedos. Entretanto, como sempre acontece com suas magias, ela não é perfeita: os tênis Vans de Robert continuam ali, em vez de se tornarem os sapatos grandes e amarelos que se esperam de Mickey Mouse.”

Ricardo olha para Júlia e, imitando a voz de Mickey que seu personagem Robert agora possui, fala: “Ah ha, você precisa trabalhar melhor suas magias.”, com uma risadinha

“Meeska-Mooska-vai se lascar!” diz Júlia, interpretando a frustração de Helen com a magia imperfeita.

“Helen está um pouco brava, mas relembra as lições que teve recentemente com Mirana e, observando os pés de Robert, ela simplesmente se foca e, agitando levemente a varinha, diz ‘Bibbity-Bobbity-Boo!’, fazendo com que um raio saído de sua varinha transforme os tênis humanos de Robert nos sapatos amarelos esperados de Mickey Mouse.”

“Espero que isso volte ao normal, sabe?” diz Robert. “São difíceis de achar, esses Vans!”

Conclusão

Testes em Fate são mais intuitivos e simples do que aparenta: nosso objetivo ao dissecar os mesmos aqui é apresentar todas as coisas que podem acontecer no mesmo, em especial na sua interação envolvendo Aspectos e afins.

Até a próxima e…

…role +4!

Saiba Mais (3326 palavras...)

Domando o Fate - Parte 18 - Entendendo as Ações

Publicado Originalmente no Site da Dungeon Geek

Como dissemos anteriormente, ao explicarmos os rolamentos e ações, tudo em Fate pode ser resumido em um conjunto de Quatro Ações: Superar, Criar Vantagens, Atacar e Defender.

Entretanto, você pode se perguntar se isso não dá margens para confusões.

Em teoria, a resposta para isso é um sonoro NÃO.

Mas na prática existem certas nuances das ações que podem criar confusões.

Então, esse artigo visa tentar esclarecer melhor como utilizar cada uma das ações e como não se confundir ao definir qual o tipo de ação que será usada em um determinado momento.

Importante notar que, como muitas coisas em Fate, as Ações serão ditadas pela Narrativa. Portanto, sempre fique atento a isso ao decidir como escolher suas ações.

Superar: Resolvendo problemas

A ação que será mais usada no Fate para qualquer coisa é a ação de Superar. De fato,se você observar a lista das Perícias no Fate Básico, página 88, você verá que TODAS as perícias podem ser usadas para Superar.

Uma ação de Superar basicamente visa remover algum tipo de adversidade ou problema representado por uma situação na história, seja ela representada ou não por Aspectos na história.

Uma outra maneira de entender Superar é “realizar aquilo para o que a Perícia foi planejada”. Essa é uma forma interessante, porém perigosa e insuficiente de entender Superar: pense na Perícia de Lutar. Se pensarmos dessa maneira, a função de Lutar é descer o braço no oponente, certo? Entretanto, isso é coberto na ação de Atacar, não?

Na prática, uma forma de usar Lutar para superar seria bem visto em uma Disputa, onde você tenta muito mais demonstrar sua capacidade de luta (seja em um campeonato ou uma demonstração de habilidade) do que realmente quebrar a cara de alguém. Além disso, você poderia usar Superar com Lutar para, por exemplo, verificar o estado de um equipamento de combate, como uma espada.

Em inglês, a ação de superar é chamada de Overcome Obstacle, Superar um Obstáculo. Podemos pensar nisso para ajudar a entender do que se trata essa ação: sempre que você tiver algo entre você e o que você deseja fazer, você irá usar uma ação de Superar. Esse algo pode ser tanto físico (barreiras, tempo, etc…) quanto mental (diferenças de idioma, mente fechada, etc…)

Exemplo: Helen está estudando alguns livros antigos para entender o porque tantos meninos (e Bobby) estão virando burrinhos depois de beber uma estranha bebida vendida recentemente. Para isso, ela conseguiu obter uma garrafa com algumas sobras de tal líquido. O Narrador decide que essa é uma ação de Superar, já que Helen precisará entender como esse líquido funciona, e estudar ele de todas as maneiras que ela conhece. Ele pode optar tanto por Investigar (Helen bancando o CSI), Conhecimentos (Helen utilizando seus conhecimentos da época de escola) ou Fábulas (Helen realizando procedimentos alquímicos e pesquisando alguns tomos de magia antigos que conseguiu com as Fadas Madrinhas). De qualquer forma, essa será uma ação de Superar, pois caso ela seja bem-sucedida, ela entenderá o que diabos é esse líquido, embora ela não receba nenhuma vantagem imediata.

Superar e Aspectos

Uma coisa interessante: exceto para o caso dos Sucessos com Estilo, ações de Superar não proveem Aspectos (isso é função da ação de Criar Vantagens). Entretanto, Superar é a ação padrão para REMOVER Aspectos em geral, tirando aquele Aspecto de jogo, tornando aquela situação não mais uma parte tão importante da cena que mereça ser descrita por meio de um Aspecto.

Exemplo: Os Fae Guardians salvaram a população de Nova Iorque de uma invasão de Trolls, mas parte da população está Apavorada ao ponto de provocar caos, em especial quando instigados por uma ordem de pastores que odeiam qualquer coisa relacionada à magia. Pericles decide utilizar seu retrospecto como Investigador Particular Portador do Lobo Mau e o fato de ter sido um policial no passado para tentar acalmar essa turba que está se formando. Para isso, ele precisa rolar uma ação de Superar usando sua perícia de Comunicação (“Voltem para suas casas e não provoquem pânico!”) ou talvez de Empatia (“Ok, todo mundo. Foi assustador mas o show acabou. Podem se acalmar e voltarem para suas casas.”). Se ele conseguir, tal Aspecto será removido de jogo, representando o fato de as pessoas, ainda perguntando que diabos aconteceu e que caracas era aquele estranho grupo que enfrentou os Trolls, irem para suas casas.

Ocasionalmente, você pode utilizar uma Disputa como forma de permitir que uma ação de Superar altere um Aspecto. Perceba que é um jogo perigoso: uma derrota em uma Disputa pode comprometer ainda mais a situação.

Exemplo: Pericles perceber que alguns dos pastores, chamados de Filhos de Gideão, tentam instigar as pessoas contra os Fae Guardians, e decide bater boca com os mesmos. Como ambos estão disputando a atenção das pessoas, e apenas um poderá a ter, o Narrador decide que isso é uma Disputa. Se Robert vencer, as pessoas irão o ouvir e poderão até mesmo passarem para o lado dos Fae Guardians, mas caso ele seja derrotado, a narrativa fanática dos Gideões será suficiente para colocar as pessoas ainda mais contra os Fae Guardians

Como uma forma opcional de ver as coisas, uma ação de Superar pode gerar Aspectos em jogo. ENTRETANTO, exceto no caso de um Sucesso com Estilo, você NÃO DEVE oferecer Invocações Gratuitas em tal Aspecto, pois isso entra na seara da ação de Criar Vantagens. Gerar um Aspecto pode ser uma forma de representar para os jogadores o caminho que suas ações está indicando, mas no caso das ações de Superar não deve oferecer nenhum outro benefício adicional

Exemplo: Helen utiliza sua perícia de Fábulas para investigar o que está acontecendo, já que ela suspeita que essa transformação bizarra seja provocada por algum malefício mágico e é bem sucedida. O Narrador trás para o jogo o Malefício Mágico como um Aspecto, mas sem invocações, dizendo “Após ler os tomos de magia e fazer as análises apropriadas usando um laboratório alquímico improvisado, você descobre que o líquido em questão é Água da Ilha dos Prazeres, uma fonte de água amaldiçoada que transforma todo aquele que o bebe em um burro. Lendo os relatos dos tomos, você sabe que existe uma poção mágica que pode reverter esse processo, mas ela só pode ser preparada com ingredientes mágicos especiais que existem apenas no Circo di Strombolli, na mesma Realidade Mágica de onde Bobby veio.” Agora, se Helen vai conseguir utilizar isso para criar uma poção é outros quinhentos, já que ela não recebeu nenhuma Invocação Gratuita.

Criar Vantagens: Preparando-se para o pior

A ação “gêmea” de Superar é a ação de Criar Vantagens. Uma forma simples de entender Criar Vantagens é exatamente dada pelo nome: você está Criando algum tipo de Vantagem que irá aparecer em jogo. Essa vantagem vem sempre na forma de um Aspecto no jogo, que pode ser Descoberto (algo que estava lá desde o início e se provou útil) ou Criado (você fez algo para melhorar suas chances).

Essa é uma ação que muitas vezes se confunde com a ação de Superar, e por isso mesmo a chamamos de “gêmea”, mas uma forma interessante de distinguir uma da outra é pensar que uma é Reativa e a outra é proativa: enquanto, ao usar Superar, você tentar resolver uma encrenca, a ação de Criar Vantagem visa preparar algo que você possa usar para evitar que o problema perdure.

Exemplo: Robert sabe que ele e os Fae Guardians Pericles e Helen deverão entrar no misterioso culto dos Filhos de Gedeão para entender como eles estão descobrindo e suprimindo outros Fae Guardians de seus Escopos (ocasionalmente com resultados catastróficos e fatais). Para isso, ele decide dar uma passada escondido no Filhos de Gedeão, tentando observar as coisas, até mesmo fingindo ter interesse em participar de um culto, para analisar os pontos fracos da construção e tudo o mais. O narrador decide que Robert poderá usar tanto Investigar (analisar o fluxo de pessoas, tirar algumas fotos) quanto Roubo (notar pontos com baixa vigilância, câmeras de segurança, potenciais sensores ou alarmes) para criar essa vantagem para os Fae Guardians ao analisar os Pontos Fracos da Capela dos Gideões

Importante notar que uma ação de Criar Vantagem traz um Aspecto para o jogo ou também pode melhorar a vantagem produzida, ao adicionar Invocações Gratuitas a um Aspecto já existente.

Exemplo: Antes de começarem a invasão propriamente dita, Robert decide dar uma última checada para avaliar como a Capela dos Gideões é guardada à noite. Como o Aspecto já está em cena (ele foi bem sucedido ao avaliar os Pontos Fracos da Capela dos Gideões) ele pode melhorar suas chances ao adicionar uma segunda Invocação Gratuita ao mesmo. Entretanto, se ele falhar, pode ser que ele tenha “dado bandeira” e chamado à atenção dos Guardas dos Gideões, que irão estar preparados e saberão dos Pontos Fracos, tomando-lhe a Invocação Gratuita.

A Ação de Criar Vantagens e os Aspectos

Uma coisa muito importante: uma ação de Criar Vantagens é uma ação que NUNCA PASSA ILESA! Ela SEMPRE criará um Aspecto, seja qual for. Isso é interessante no caso de falhas, onde os adversários ou mesmo terceiros não relacionados poderão descobrir algo sobre o que os personagens estão fazendo, e isso pode trazer todo tipo de complicação interessante.

Exemplo: Robert falhou no teste para melhorar o conhecimento dos Pontos Fracos, e isso faz com que o Narrador receba de Robert a Invocação Gratuita. O Narrador pode ficar a vontade para usar isso de todas as maneiras possíveis. Por exemplo:

  • A óbvia, que é fazer com que essa Invocação Gratuita represente o fato que Robert deu bandeira e eles vão preparar uma armadilha;
  • Mas pode também representar um alarme silencioso que Robert não percebeu e disparou assim que os Fae Guardians entram, e que foi usado para chamar a polícia;
  • Ou mesmo pode representar alguém que também tem algum interesse nos Gideões e vai aproveitar qualquer confusão para aprontar e jogar a culpa nos Fae Guardians;

Isso é muito, MUITO importante, devido à característica da ação de adicionar as Invocações Gratuitas: isso pode representar todo tipo de cenário interessante

  • Exemplo: imaginemos que Robert tenha tido um sucesso com estilo em uma primeira ação e depois falhado. O que isso pode representar? Entre muitas outras coisas, que Robert conhece uma série de Pontos Fracos (com apenas UMA invocação), mas que os Gideões perceberam tais Pontos Fracos e sabem que alguém está com algum interesse neles (representando a invocação que Robert foi obrigado a passar para o Narrador pela Falha)

Além disso, a ação de Criar Vantagem é especialista na ideia de Alterar um Aspecto (não de o remover: isso é parte de Superar). De fato, convencer uma Turba Hostil a estar Pronta para Ouvir os personagens pode ser uma ação de Criar Vantagem usando Empatia ou Comunicação, por exemplo:

Exemplo: Helen percebe que a população em pânico está virando uma Turba Hostil, graças às palavras dos Gideões. Helen então decide utilizar suas habilidades de discurso (refinadas por horas e horas de de preparação, media training e estudos e treinos de retórica junto às Fadas Madrinhas) para explicar que os Fae Guardians foram tão vítimas quanto a turba. Ao fazer isso, a ideia de Helen é fazer com que ao menos a turba esteja Disposta a Ouvir os Fae Guardians. Isso pode ser feito por um rolamento de Criar Vantagem por Empatia ou Comunicação. Claro que, caso ela falhe, ela pode simplesmente adicionar uma invocação gratuita adicional à Turba Hostil, mas se ela for bem sucedida ela poderá sim conseguir com que as pessoas estejam Dispostas a Ouvir os Fae Guardians.

Criar Vantagens e Descobrir:

Em alguns sistemas baseados em Fate, como Bulldogs! ou Mindjammer, a ação de Criar Vantagem é desmembrada em duas versões: Criar Vantagens e Descobrir.

Na prática, isso apenas é uma forma de tornar visível um fato que é comum dentro da ação de Criar Vantagem: você pode tanto Criar uma Vantagem quanto Descobrir uma Vantagem, por assim dizer.

Isso se deve ao fato de que no Fate a ação de Criar Vantagens ter, digamos assim, duas descrições:

“Use a ação de criar vantagem para criar aspectos de situação que trazem benefícios ou para receber os benefícios de qualquer aspecto a qual tenha acesso.” (Fate Básico página 128)

Além disso, ao descrever as resoluções, o Fate Básico usa tanto Se você estiver usando a ação criar vantagem para criar um aspecto (página 128) quanto Se estiver criando vantagem em um aspecto existente… e no Fate Acelerado é descrito de maneira similar.

A diferença chave aqui é criar aspectos versus receber os benefícios de qualquer aspecto. Na primeira situação, estamos deixando claro que queremos preparar algo do zero: por exemplo, fazer uma Arma Laser na Gambiarra usando peças da loja de eletrônica para matar os alienígenas. Na segunda, queremos aproveitar algum Aspecto que já estava lá, talvez o renomeando, como uma forma de melhorar as nossas chances: por exemplo, afundando-se ainda mais Nas Sombras para obter uma posição favorável contra inimigos.

Isso pode ser interessante, pois você pode utilizar ações assim para transformar, por exemplo, Impulsos (Aspectos que desaparecem rapidamente) em Aspectos mais duradouros (por exemplo, ao aproveitar para Derrubar no chão [Aspecto Duradouro] o Inimigo Desequilibrado [Impulso]). Também pode ser uma forma de, por exemplo, representar que você conseguiu algum tipo de drop, para usar a linguagem dos RPGs eletrônicos, relacionados a Aspectos que representem inimigos. (Por exemplo, tomar as Armaduras Escuras dos Soldados da Perdição que foram derrotados).

Exceto por essa diferença circunstancial, a Ação de Criar Vantagem funciona de maneira similar, não importa se você está tentando preparar uma vantagem “do zero” ou está tentando aproveitar o que o cenário o oferece.

Exemplo: Robert pretende invadir o circo dos Palhaços Demoníacos (baita tropo batido, hein, narrador?) e para isso, ele precisa improvisar algum tipo de figurino de palhaço para não ser detectado pelos mesmos. Ele pode, por exemplo, usar a ação de Criar Vantagens por Recursos para comprar uma fantasia pronta, ou por Ofícios para, usando tecidos adequados, fazer uma, ou por Roubo para, depois de nocautear um Palhaço Demoníaco, tomar-lhe as roupas. No primeiro e no último caso, a ação seria mais próximo de Descobrir uma Vantagem (seja por encontrar uma Fantasia de Palhaço Diabólico ou por roubar as roupas do Palhaço Demoníaco), enquanto a do meio representa uma possibilidade de criar uma vantagem do zero (a não ser que o narrador tenha oferecido alguns Trapos Imundos que os personagens podem costurar).

Lembre-se que nem tudo é um Aspecto, mas tudo pode tornar-se Aspecto.

Ataque - provocando prejuízo

Já foi dito várias vezes sobre a questão de como a ação de Ataque é diferenciada.

Primeiramente, é muito raro você usar uma ação de Ataque fora de um Conflito e/ou que não provoque um. Normativamente, qualquer ação de Ataque dá início de imediato a um Conflito.

Além disso, é importante notar que a ação de Ataque SEMPRE visa provocar algum tipo de dano ou prejuízo, e que prejuízo aqui não pode ser reduzido a dano físico: perturbação mental, gafes sociais, prejuízo financeiro, tudo isso pode ser resultado de uma ação de Ataque.

De fato, em Weird World News são usadas ações de Ataque (!!!) para perseguições ao estilo Scooby-Doo. Parece estranho, mas quando você pensa que você vai perturbando o monstro (ou vai sendo assustado por ele) ao ponto de ele (ou você) não conseguir mais pensar direito, inegavelmente você tem uma situação de prejuízo aqui (à sua estabilidade de raciocínio), e portanto temos uma ação de Ataque.

Dito isso, vamos ver algumas coisas importantes:

A Ação de Ataque é pouco presente diretamente: na prática, apenas Atirar, Lutar e Provocar são per se usáveis em ações de Ataque. Quando comparamos com o fato de que TODAS as perícias podem ser usadas para Criar Vantagem e Superar, e apenas 6 das 18 perícias não podem ser usadas para Defesa, isso aparentemente restringe bastante as possibilidades de Ataque.

Entretanto, a ação de Ataque costuma ser muito visada para Façanhas que adicionam uma ação a uma perícia. Por exemplo, vamos lembrar de Chevalier, o Lugar-Tenente de Morgause, que vimos quando falamos de Conflitos. Ele possuía a Façanha Mago de Combate que permitia usar Conhecimentos para Atacar usando magias no lugar de Atirar. Isso adiciona, ao menos nessa situação específica de magias, a ação de Atacar a perícia de Conhecimentos.

Um outro exemplo possível seria:

  • Carmaggedon: Enquanto pilotando veículos de médio porte (como carros), você pode Atacar todos os alvos que estiverem a pelo menos um número de Zonas igual ao seu bônus de Condução. Todos os alvos devem absorver o mesmo valor de Estresse. Entretanto, se algum dos alvos for bem sucedido com estilo em uma ação de Defender, o veículo recebe o mesmo valor de Estresse que provocaria contra as pessoas. O veículo deve poder deslocar-se entre as zonas e para na zona onde terminar de atacar onde ele se deparar com uma Defesa bem-sucedida com estilo. O Ataque é Indiscriminado, acertando aliados ou inimigos.

Aqui também é importante frisar que você deve tomar cuidado ao adicionar a ação de Atacar a outras perícias: se você colocar sem muito cuidado, você pode desequilibrar o jogo, tornando o jogo ou pouco verossímil ou tirando o foco de outras perícias. Algumas formas de equilíbrio de Façanhas podem envolver pagar Pontos de Destino no uso (como no caso de Já li sobre isso - Fate Básico, página 96), limitar os modo que ela pode ser usada (como no caso do Mago de Combate de Chevalier), encadear com outras Façanhas (novamente como no caso de Mago de Combate que demanda Sangue Élfico), ou por fim colocando alguma cláusula que permita que os personagens escapem de maneira mais fácil ou possam colocar o usuário em enrascada.

Perceba que, quando criamos Carmaggedon colocamos alguns fatos complicadores:

  1. O veículo precisa ser capaz de se deslocar por todas as zonas por onde atacar;
  2. O Ataque é Indiscriminado, acertando TODOS os alvos válidos nas zonas por onde ele passar;
  3. O veículo obrigatoriamente para ao atingir qualquer tipo de barreira, como um muro ou um veículo maior;
  4. O veículo sofre o mesmo ataque que provocou se, por um acaso, um dos personagens for bem-sucedido com Estilo em uma ação de Defesa (pense que o cara fez o motorista ficar tão louco que ele se arremeteu contra uma parede ou debaixo de um caminhão).

Isso compensa o poder de simplesmente arremeter em um ataque demolidor que pega todo mundo no meio do caminho.

Adicionando novos Ataques por padrão

Dito isso, como em muitas situações, o Fate pode prever situações onde, devido ao cenário, você pode adicionar a possibilidade de a ação de Ataque ser adicionada por padrão a perícias dependendo do cenário e da circunstância.

Por exemplo: em um cenário de horror, um monstro que tenha, por exemplo, a perícia de Assustar pode ter por padrão a ação de Ataque incluída na mesma.

Cuidado, entretanto, ao fazer isso, pois pode minar algumas situações de equilíbrio e tirar um pouco o brilho de situações onde personagens podem, sem usar a ação de Ataque adicionar brilho a um conflito.

Quando um Ataque não é um Ataque

Em muitas situações o que aparenta ser um Ataque na prática não o é, podendo ser alguma das demais ações (em geral, Criar Vantagem). Provocar o adversário, jogar areia nos olhos, e assim por diante, são ações que podem ser resolvidas sem necessariamente resultar em um Prejuízo ao alvo (ao menos não de maneira direta).

Exemplo: Alexander, o Camundongo da Cidade, está fugindo um gato sarnento que está correndo atrás dele e de seus parentes nas ruas sujas da Praça da Sé do início do século XX. Ele percebe que seu primo Cláudio, o Palhaço Pirulito, está preparando para utilizar um truque de chamas para fazer esse sarnento ficar Assustado o bastante para ser derrotado nesse conflito. Alexander decide ajudar: ele volta-se para o gato, ganhando tempo e grita “Na na na na na! Você não me pega, seu saco de pulgas fedorento!”. Ao Criar Vantagem para seu primo, Alexander garante que o gato vai estar tão Bravo por ter sido chamado de “saco de pulgas fedorento” que ele não verá quando Pirulito, usando o Uísque “Escocês Legítimo” que Alexander lhe arrumou e um fósforo velho, cuspir uma Labareda de Chamas no mesmo.

Isso é importante de ser notado sempre: a palavra chave de um Ataque é Prejuízo. Se a ação não provocar um Prejuízo imediato, ela não é um ataque.

Defesa: evitando ser vítima

Por fim, a ação de Defesa tem algumas características interessantes:

Primeiro, ela é uma ação que visa proteger você de todo tipo de coisa ruim que possa ser representada pela mecânica do jogo. Portanto, em geral ela pode ser vista como uma espécie de “irmã do bem” da ação de Ataque.

Além disso, essa ação pode ter uma característica reativa que a torna interessante: sempre que você for vítima de um Ataque, a não ser quando dito de outra forma (como quando você está sendo surpreendido e o lado atacante tem direito a uma ação de Ataque sem oposição), você pode executar uma ação de Defesa (e apenas de Defesa) sem precisar gastar sua ação do turno.

Por fim, você pode usar ela também contra ações de Criar Vantagem ou de Superar. Entretanto, e em especial na primeira, você só pode o fazer se tiver total ciência do que está ocorrendo. Isso é importante, pois, ainda que reativa, a ação de Defesa só pode ser usada quando o personagem está Ciente dos acontecimentos ao seu redor. De outra forma, o Narrador deveria tratar as ações contra o alvo como uma Oposição Passiva contra uma perícia adequada.

Dito isso, é possível que um personagem se defenda de ações de Superar, ainda que não seja algo muito habitual.

Exemplo: O Investigador Profissional Josh McCrock foi contratado por uma pessoa (que ele não sabe que é na verdade a Suprema Sacerdotisa de Avalon Morgause) para investigar os Fae Guardians. Ele começa a analisar ocorrências estranhas e lê sobre uma festa a fantasia na High Society de Nova Iorque onde a anfitriã, Helen Hemingway, aparentemente surtou e se transformou na Fada Madrinha da Cinderela. O artigo cita o fato de que aparentemente tudo não passou de truques ilusórios, holografia e máscaras de látex de qualidade cinematográfica, mas Josh sabe o suficiente sobre os Guardians e seus Escopos, e não seria de estranhar que uma pessoa sobre o Escopo da Fada Madrinha surtasse e fizesse o que o artigo declara.

Entretanto, Helen está muito atenta a essa situação (e a outras) e é experiente o suficiente no jogo da publicidade e da fama para saber como apagar seus rastros ocasionalmente. Ela ouve falar sobre esse Investigador e decide colocar-se de maneira ativa para se defender da ação de Superar dele por Investigar que visa apreender mais informação sobre os Guardians. Para isso, ela decide utilizar Comunicação, usando suas habilidades com a imprensa, para Defender-se. Ela cita o fato de que sempre sonhou em ser atriz e que tem os contatos certos junto à Disney, que lhe ajudaram a se tornar a Fada Madrinha durante a festa beneficente, em nome “da fantasia e do sorriso das crianças menos afortunadas de nossa bela cidade”. É de certa forma uma mentira, mas ela consegue construir essa narrativa de uma maneira boa o bastante para se Defender nesse caso. Caso contrário, o Narrador poderia tornar simplesmente um teste passivo, talvez contra sua Comunicação ou Recursos, ou mesmo menor.

Defesa não tem efeito cumulativo: o “efeito Espelho”

Se você olhar como as resoluções das ações de Defesa são descritas no Fate Básico, você irá se perguntar se ela é cumulativa em relação aos efeitos descritos nas demais ações.

Na prática, a resposta é NÃO: as resoluções são sempre descritas do ponto de vista de quem as usa. Elas não possuem nenhum tipo de efeito cumulativo, então ao conceder um Impulso para o seu oponente em caso de empate em sua ação de Defesa após um Ataque bem sucedido por parte do mesmo, o oponente não recebe dois Impulsos, mas sim apenas um.

Isso se deve graças ao “efeito Espelho” que a descrição da ação de Defesa possui em relação às descrições das demais ações. Na prática, a única novidade da ação de Defesa envolve o Sucesso com Estilo, que veremos abaixo.

Exemplo: Helen e Josh empataram na situação anterior. Isso quer dizer que Josh compra a versão de que Helen não é uma criatura estranha, apenas uma ricaça um tanto excêntrica, mas inofensiva… Entretanto, ele ainda possui a Intuição de que algo não cheira bem na história de Helen: será que esses maquiadores profissionais da Disney são quem ela afirma que são? Talvez compense escavar um pouco mais nessa direção, quem sabe ele não ache algum fio da meada para buscar mais informações.

Defesa e Sucesso com Estilo

Uma das coisas mais oportunas de se debater na ação de Defesa é quando ocorre o Sucesso com Estilo:

  • Quando for bem-sucedido na sua defesa, você consegue evitar o ataque ou a tentativa de criar vantagem sobre você.
  • Quando for bem-sucedido com estilo, encare como um sucesso normal, mas você também ganha um impulso, o que pode permitir que você vire o jogo. (Glifo meu)

Lembre-se que Impulso é um Aspecto de curta duração que tão logo usado desaparece. Entretanto, aqui é importante notar uma situação que pode ser explorada em jogo como uma regra da casa (que de fato é usado em alguns jogos, como Uprising): se houver em jogo um Aspecto relevante, ao invés de aproveitar-se tal Impulso, o personagem pode adicionar tal Impulso como um Invocação Gratuita adicional a tal Aspecto. Isso pode ser uma forma interessante de representar, por exemplo, situações onde o personagem provocou uma mudança de ideia em inimigos ou coisas do gênero.

Exemplo: Ao tentar investigar novamente os Guardians, dessa vez por meio da questão dos maquiadores profissionais da Disney, Josh falhou em seu teste, sendo Helen bem-sucedida com estilo. Ela recebeu portanto um Impulso. Ela poderia o gastar, mas prefere adicionar como uma Invocação Gratuita a um Aspecto já em jogo, relacionado a Aliados mundanos contra Morgause. Ela descreve a seguinte situação ao narrador: “Assim que Josh chega na Main Street para conversar com minha amiga Anya, eu estou o esperando no lugar combinado, usando orelhas de Minnie, um chapéu de Mickey e dois lattes Venti do Starbucks nas mãos, com um sorriso nos lábios. Quando percebo que ele se assusta eu digo: ‘Vamos, relaxe um pouco. Não há necessidade de nenhuma atitude complicada. Somos adultos, afinal de contas.’ Ofereço a ele o chapéu e um dos lattes e digo: ‘Vou responder-lhe todas as perguntas que você precisa e quiser saber, mas já vou lhe adiantar duas coisas: sua empregadora não é quem afirma ser, e não sou uma inimiga, se isso ainda não lhe ocorreu. Agora… Vamos até o Mad Hatter’s Tea Party, sem muito escândalo, enquanto tomamos um café e respondo suas perguntas. Acho que você vai aprender muito mais do que imaginaria… E talvez do que seria para seu próprio bem.’”. E após essa conversa, Josh abandona o caso, tornado-se um aliado dos Guardians

Conclusão

Entender bem as quatro ações é algo de fundamental importância em Fate, já que, como foi enfatizado em vários momentos nessa série, qualquer coisa no Fate praticamente pode ser resolvida por meio dessas ações. Desse modo, saber como elas funcionam e como aproveitar elas para propelir e representar mecanicamente pontos importantes da narrativa é primordial.

Até a próxima e role +4!

Saiba Mais (4713 palavras...)

Domando o Fate - Parte 17 - Mais Gramático que Matemático

Publicado Originalmente no Site da Dungeon Geek

Cada vez mais, me pego pensando em uma máxima que podemos chamar de Princípio do Mr. Mickey para o Fate:

“Fate é muito mais gramático que matemático.”

E isso me pegou ainda mais após ver a seguinte tirinha no Facebook (não sei se ela é oficial ou editada).

Isso não tem nada a ver com Dragões! Isso é Matemática!

Podemos pensar que esse é uma questão séria que pode ser pensada sobre o RPG: sua origem remetia aos wargames, jogos fundamentalmente matemáticos, baseando-se na questão da distância, força e número das tropas, equipamentos aplicado, etc…

Entretanto, Fate é um jogo fundamentalmente narrativista, ou seja, sua preocupação principal não é nas estatísticas ou necessariamente “no jogo”, mas na narrativa, na história a ser contada.

Pode parecer que a preocupação com o jogo seja algo importante, e o é, mas não como as pessoas imaginam.

O conceito que temos de jogo é um conceito baseado na ideia de vitória: um jogo só é bom se pudermos “vencer”. Mesmo no RPG isso acontece: quantas milhares de histórias sobre combos e “bonecagem” não podem ser pescadas na Internet?

Alguns vão alegar “personagem morto não permite roleplay”, e com certa verdade. Entretanto, não se pode negar como muitos anti-patterns, muitas coisas ruins, que acontecem nas mesas de RPG, em especial o fato de que certas regras são muito ignoradas (Atributos mentais baixos e alinhamentos sendo os principais exemplos). Isso é especialmente válido em jogadores experientes, pois eles sabem como cheatar o jogo das “maneiras corretas”, como no caso do Teste o jogador, e não a ficha, onde o jogador ignora sumariamente a ficha quando ela não lhe é conveniente (Carisma 8, alguém?), enquanto alguns jogadores não podem ignorar regras (como o mago com apenas 1d4 de vida), e que acabam tendo sua importância cheatada.

Não sei quanto a vocês, mas odeio quando isso acontece.

O Fate tem como principal vantagem, no meu ponto de vista, exatamente isso: ser mais gramático que matemático.

Isso torna impossível “bonecagem” no Fate? Não, muito pelo contrário: a grande vantagem que o Fate ABRAÇA A BONECAGEM bem feita. Se você quer fazer um combo em Fate, maravilha: faça com que o combo funcione como algo que AGREGUE à história, não que tolha a históra. Algo que ajude os outros jogadores a brilhar, não como algo que vise “vencer” algo/alguém.

Como isso acontece no Fate?

É o que veremos nesse artigo!

Aspectos, Aspectos, Aspectos

A principal base aqui é entender que, em termos de regra do Fate são os Aspectos.

Vistos de uma maneira ampla, são os Aspectos que fazem a cola entre o jogo, a narrativa e a simulação da realidade.

Como ele faz isso.

  1. Narrativamente, os Aspectos detalham verdades tão absolutas e fundamentais sobre um personagem ou situação que elas impactam nos outros fatores, podendo mudar resultados e mudando as opções disponíveis no jogo. Além disso, eles estabelecem fatos que são úteis para analisar o que poderá ou não ser feito
  2. Simulacionistamente, os Aspectos definem parâmetros para como as ações do jogo irão ocorrer. Embora o sistema do Fate tragam as regras, de certa maneira serão os Aspectos que permitirão ou bloquearão opções de ações e suas resoluções por rolamentos
  3. Em termos de jogo, os Aspectos estipulam quais são os tipos de ações que podem ou não fazer sentido, e quão difícil ou fácil é realizar uma ação, impedindo que um jogo de Fate vire um jogo de Calvinball

Parece complicado, não é? Mas vamos fazer uma experiência interessante: considere, por exemplo, Uma Cilada Para Roger Rabbit. Pensemos no momento em que Eddie Valiant vai para a Desenholândia, um lar dos desenhos (esse será o nosso Aspecto).

  1. Narrativamente, ele trás para o jogo o fato da existência da Desenholândia, e ser onde normalmente os Desenhos moram. Também oferece parâmetros sobre o comportamento dos personagens do jogador e da cena, como o fato de todas aquelas coisas malucas de desenhos animados poderem acontecer aqui.
  2. Simulacionistamente, permite ajudar sobre o que é possível realizar dentro daquele lugar. Por exemplo, um personagem pode comer uma banana de dinamite? Cair do 3825724813204° Andar do Grand Hotel direto na rua mas não virar uma panqueca (ou virar, vai saber) e morrer? Você é capaz de usar truques bobos de esquetes clássicas de desenho animado para contornar situações como o caso de uma perseguição?
  3. Em termos de jogo, todos esses parâmetros já demonstrados podem ser ajustados conforme a necessidade. Por exemplo, um humano pode tentar fazer tudo o que foi citado anteriormente (Eddie fez tudo, exceto a banana de dinamite)? E um Desenho? Quão mais difícil para um humano fazer isso?

Os Aspectos fazem isso com uma vantagem: você NÃO PRECISA PRÉ-ESTIPULAR N-A-D-A!!! Ainda que seja recomendável e saudável tentar planejar algumas situações, os Aspectos podem não prever tudo. Mas as regras do Fate, sendo tão simples e com os Aspectos servindo de parâmetros CLAROS em tempo real de como a narrativa, a simulação da realidade e o jogo interagem entre si, ainda permitem que você não seja “pego com as calças na mão”!

A Regra do Fala Sério! - limitando o poder dos Aspectos

Isso era um tanto intrínseco antes, mas o Fate Condensed trouxe uma “regra de dedo” para saber quando estão ocorrendo abusos que podem quebrar o jogo através dos Aspectos, a chamada bogus rule, que informalmente chamo de Regra do “Fala Sério!”: se ao explicar como um Aspecto vai afetar a cena a qualquer momento, você perceber que você ou os demais jogadores ou o narrador estão fazendo explicações muito estapafúrdias, isso é um sinal de que você está “esticando demais o chiclete” e fazendo coisas que aquele Aspecto não permitiriam, ou para os quais eles não se aplicam.

Exemplo: Helen por algum motivo quer usar seu Aspecto de Portadora da Fada Madrinha (lembra dos Fae Guardian?) para dizer que seus poderes mágicos são capazes de fazer uma maldição terrível contra uma alvo… O que… Fala Sério! Ela é uma Fada Madrinha, não a Malévola! Mesmo tendo poderes mágicos isso é impossível para ela fazer! E ainda que fosse possível, a dificuldade seria muito alta. Fadas Madrinhas são conhecidas por serem usuárias de magias mais voltadas para cura ou bençãos, não para maldições! Dentro do Aspecto de Fada Madrinha, isso não seria possível, então o Narrador pode negar completamente esse efeito e impedir Helen de agir assim!

Aspectos como Permissões ou Restritores

Como dissemos anteriormente, Aspectos funcionam como parametrizadores também: eles determinam o que pode ou não acontecer naquele momento narrativo ou com aquele personagem (se ele usar seus Pontos de Destino). Além disso, os Aspectos funcionam também como Permissões e Proibições.

Um jogo que explora bem isso é Wearing the Cape: conforme o Aspecto de Poder do personagem, são ativadas certas Permissões ou Restrições: por exemplo, se o seu personagem é um Atlas (o Super Homem do cenário), ele poderá voar e ter superpoderes (enfatizado pelas demais características do mesmo). Entretanto, existe o potencial de ele ferir pessoas graças à sua superforça, ou mesmo que pessoas que não gostam “desses mascarados” não vão com a sua cara e não queiram interagir com você.

Exemplo: Grilo Falante, o nome heroico do jovem Joshua Clemens McCarthy, é um Herói Genial e Consciência Alheia. Isso determina que seus poderes são relacionadas à sua capacidade mental extremamente elevada, sua capacidade de prever situações por análise dos acontecimentos e seu poder de convencer os outros a não fazerem “coisas ruins”. Esses fatos são estabelecidos pelo Aspecto dele. Também é estipulado que ele pode ter “travadas mentais” quando muitas coisas ruins puderem acontecer ao mesmo tempo e que seu poder de convencimento, até pela característica dele de “consciência” não pode ser usado para induzir à violência.

Aspectos enquanto tom de cenário

Dito isso, se você quer deixar claro uma situação específica em cena, como uma Multidão Hostil, um Potencial Apocalipse ou Pradarias Calmas no meio do Caos do Mundo que os personagens deverão proteger, os Aspectos podem ser usados para isso: se você, por exemplo, criar uma Cidade muito movimentada onde uma luta entre super-heróis e vilões está rolando, você pode fazer os vilões atacarem A CIDADE, não os heróis. Se os heróis protegerem as pessoas, os vilões poderão escapar, mas caso contrário, onde eles estavam quando a pequena Sally morreu sob os escombros do Ataque do Herdeiro do Álamo?

Um Aspecto de Cenário pode sempre ser uma boa forma de simular situações onde regras que normalmente não estão em jogo entram em jogo: na situação que falamos, podemos trazer uma regra de Dano Colateral onde quem sofre o dano que os personagens deveriam sofrer é, por exemplo, a reputação do grupo (Sally Morreu pela inação dos Heróis!!!) ou qualquer outra coisa adequada.

Lembra do que falei na Desenholândia? Você pode utilizar a Desenholândia como uma forma de permitir que personagens humanos consigam (ainda que com certa dificuldade), utilizar a mesma lógica maluca dos Desenhos Animados, se safando caso venham a ver um caminhão que tente passar por cima deles, os achatando igual panquecas. Desse modo, você pode criar, habilitar e desabilitar facilmente regras e elementos do jogo conforme a necessidade, usando os Aspectos.

A Arte de Escrever bons Aspectos.

Todo bom Aspecto, como vimos lá no primeiro artigo dessa série, tem que ser ambíguo, descritivo e dizer mais de uma coisa.

Por exemplo: Forte não é um bom Aspecto, pois só diz que o personagem é Forte, não descreve muito sobre essa força e, exceto em situações extremamente óbvias, não pode ser usado “contra o personagem” para apimentar a narrativa. Entretanto, um Paladino Solarii é bom, pois indica que ele é forte, provavelmente pelo treinamento militar de paladino, que ele é de um grupo chamado Solarii (o que é esse grupo pode ser definido depois), e dá oportunidades de ser usado “contra” o personagem trazendo situações de dilemas morais ou inimigos de sua ordem ao jogo.

Perceba que “contra o personagem” não é exatamente contra o personagem. Partimos das premissa que seu personagem aceita esses Aspectos como parte de tudo o que ele é, não algo que ele jogará fora na primeira oportunidade. Se você é um Espírito do Otimismo você o será para o bem e para o mal, sendo otimista mesmo quando toda a racionalidade disser que o desespero é a melhor opção. Se você para você O poder é um vício que o tira do caminho da paz, você trará situações onde você irá exercer o poder para seus próprios fins egoístas e se sentirá mal por isso.

Perícias - o que você faz de bom

Mecanicamente, as Perícias são muito importantes, já que eles representam as competências do personagem, como dissemos LÁ NO INÍCIO dessa Série. Portanto, eles são cruciais para o sucesso ou fracasso do seu personagem.

Ser algo mais gramático que matemático nesse caso ajuda ao jogador a ter noção tanto das habilidades do personagem dentro da perícia quanto o resultado final das ações e as dificuldades envolvidas.

Vamos primeiro lembrar que a Escala vai de -2 (Péssimo) a +8 (Lendário), como abaixo.

Nome Valor
Péssimo -2
Ruim -1
Medíocre +0
Regular +1
Razoável +2
Bom +3
Ótimo +4
Excepcional +5
Fantástico +6
Épico +7
Lendário +8

O importante aqui, é entender as palavras, não os valores.

As palavras ajudam a ter uma ideia da competência geral do personagem naquela perícia, e o quão competente alguém precisa ser para, em condições ideias de temperatura e pressão, realizar a tarefa estipulada.

Além disso, por não serem valores abstratos, pode-se usar os mesmos termos dentro da escala do jogo. Então, um camundongo com Atletismo Bom (+3) fará o mesmo que qualquer outro camundongo, mas não que um humano ou um Guerreiro Z de Dragon Ball.

A vantagem disso é que tudo que você fará terá uma dificuldade ou resultado mais fácil de ser determinado.

Por exemplo… Vamos pegar um humano com Atletismo:

  • Um personagem Péssimo (-2) terá muitos problemas, se cansando rapidamente e não conseguindo realizar a maior parte das corridas: mesmo correr atrás do busão quando se atrasa será um problema.
  • Um personagem Medíocre (+0) é uma pessoa comum, que às vezes perde o busão quando tá atrasado, mas que de vez em quando consegue pegar ele.
  • Um personagem Razoável (+2) é alguém já melhor condicionado: se precisar correr para pegar o busão irá conseguir na maior parte das vezes, e pode até ser que já tenha participado em uma ou duas corridas urbanas.
  • Um personagem Ótimo (+4) é alguém muito treinado, capaz de aguentar muitas provas com facilidades, e às vezes até consegue um resultado alto em uma ou outra prova
  • Um personagem Fantástico (+6) é provavelmente um corredor profissional, ou ao menos um amador de grande talento, alguém que certamente já ganhou provas de alto nível, podendo até mesmo arriscar as olimpíadas.
  • Um personagem Lendário (+8) é um medalhista olímpico, alguém conhecido por sua velocidade, o melhor ou um dos melhores. Vencer provas para você é algo do dia-a-dia, e mesmo nas olimpíadas você é favorito devido ao seu treinamento, equipamento e perícia.

Perceba que não digo que Lendário (+8) é automaticamente o melhor no que faz. Primeiro porque temos as Façanhas para melhorar Ainda mais isso em certas especializações. Segundo, porque os dados ainda podem acontecer e colocar tudo a perder: imagina nosso Usain Bolt rolando um -4, isso poderia o levar a perder para um amador bem treinado em um dia de relativa sorte.

Aproveite suas Vantagens - Os Aspectos em Ação!

E aqui percebemos a importância das Perícias embasarem os Aspectos e os Aspectos reforçarem as Perícias.

Por exemplo: se nosso Usain Bolt Lendário (+8) tiver Uma Vida dedicada ao Atletismo, ele dificilmente se verá em uma situação onde pode ser derrotado por um amador Ótimo (+4). Primeiro, que ele sempre pode invocar o Aspecto (se tiver Pontos de Destino) para +2 e garantir sua vitória, ou mesmo re-rolar se achar que isso não é o suficiente.

E não apenas isso: lembre-se que existem diversos Aspectos em jogo, e que você pode trazer novos Aspectos em jogo por meio da ação de Criar Vantagem, dado que narrativamente você tenha tido tempo e sucesso em se preparar o suficiente.

Como exemplo, vamos pegar Golgo 13, ou melhor, o Sr. Duke Togo, assassino profissional. Ele é conhecido por ser O Assassino Supremo e para ele Qualquer detalhe não verificado pode significar a derrota. Ele precisa assassinar um governador quando ele está preste a dar o perdão a um agente duplo condenado à morte. Duke investigou o local e descobriu que as janelas possuem esquadrias muito espessas de um material À Prova de Balas Comuns. Como isso ele procurou preparar uma única bala de um material especial capaz de passar pela esquadria.

Ele já tem um Atirar Lendário (+8), o que seria o bastante para derrubar esse governador em situações normais. Mas ele é alguém que acredita em se preparar muito. Então ele Paga Dois Pontos de Destino para obter +4 no seu rolamento, +2 por ser O Assassino Supremo e +2 porque Qualquer detalhe não verificado pode significar a derrota, então ele se preparou bem. Além disso, como o material À Prova de Balas Comuns e a única bala de um material especial vieram por Ações de Criar Vantagem, elas trouxeram invocações gratuitas, ou seja, usos que ele não precisou pagar com Pontos de Destino. No caso, ele pegou essas invocações gratuitas para somar outros +4. Com isso, ele já tinha um Lendário (+8) em Atirar, e +4 dos seus Aspectos de Personagem para +12, e ainda levou para mais longe, com um +16!!!! Mesmo com um rolamento desastroso dele e um ótimo rolamento do governador na Defesa (imaginando que ele tenha), ainda assim é certo que o Governador irá morrer!

Quando as opções dos Aspectos e as ações de Criar Vantagem entram em jogo, se usadas corretamente fazem com que o lema não oficial da NSA se aplique: “Tudo é possível, o impossível apenas leva mais tempo!”

Justificando suas ações (ou sobre como perícias diferentes podem justificar uma mesma ação)

Importante aqui notar algumas coisas importantes sobre as perícias em Fate:

  1. Em Fate, se você tem uma perícia em sua lista de perícias, você não apenas tem a capacidade e conhecimento de exercer a perícia, mas também tem as ferramentas para exercer a mesma. Embora isso não queira dizer que suas ferramentas são as melhores (veremos mais sobre isso mais abaixo), você não tem problemas de falta de ferramentas (exceto se Aspectos em jogo que digam em contrário estiverem em jogo)
  2. Perícias em Fate são amplas, e abarcam vários tipos de conhecimento dentro da área de atuação da mesma. Então Atirar não quer dizer apenas saber usar armas, mas pode aplicar também conhecimento de táticas com armas, diferenças, pontos fracos, e até mesmo a avaliação e manutenção das mesmas!

O que isso quer dizer?

  1. Dado que exista uma justificava razoável para que o personagem seja capaz de usar uma perícia, pode usar qualquer perícia, dependendo da narrativa. Porém;
  2. A dificuldade o rolamento pode variar conforme as perícias que serão usadas.

Vamos a um exemplo usando os Fae Guardians:

Bobby, Helen e Pericles tiveram um duro combate contra um dragão de pelúcia do mal (quem teve essa ideia? Quem deixou?), mas agora eles tem que lidar com a possibilidade de uma turba hostil a eles, já que todos abusaram dos seus Escopos e seus corpos assumiram a forma de seus Escopos.

Agora eles terão que tentar lidar com isso e acalmar essa turba. O Narrador questiona os jogadores como farão isso.

  • Pericles, graças a seu retrospecto policial, decide partir para a carteirada: “OK, pessoal, o show acabou! Todo mundo pra casa!”
  • Robert, mais capaz de negociação, decide tentar convencer meio que tentando trapacear: “Gente, é só um show, tá?”
  • Já Helen, com sua capacidade de lidar com o público, prefere usar a ideia de Robert para convencer as pessoas de que tudo era um espetáculo: “Estamos apenas ensaiando um grande espetáculo para as crianças de um orfanato local!”

Primeiramente, essa é uma ação de Superar, onde eles tentam remover o Aspecto da Turba Hostil, pois essa turba podem acabar avançando contra os Fae Guardians (estimulados por uma força hostil? Quem sabe?)

Agora, o narrador define quais serão as perícias a serem usadas para esse teste. Ele percebe que os três tentam de maneiras diferentes: Pericles vai usar Provocar, Robert Enganar e Helen Comunicação.

As dificuldades serão diferentes, entretanto, já que as turbas estão nervosas o bastante para não admitirem a carteirada de Pericles (dificuldade Bom (+3)), mas com certeza Robert e Helen terão melhores chances (dificuldade Razoável (+2))

Desse modo, ainda que seja difícil, pode-se ter chances com perícias inapropriadas. Por exemplo: reparar uma arma poderia ser por Conhecimentos (envolve saber como a arma funciona), Ofícios (envolve saber usar ferramentas e detectar pontos quebrados) e ATIRAR (afinal de contas, ao menos em teoria você deveria saber como dar manutenção em armas). Atirar também poderia ser usada, por exemplo, para encontrar negociadores de armas (claro, com dificuldade do que por Contatos).

Por isso, procure, como jogador ou Narrador, como tornar mais rico e interessante os usos de perícias. Lembrando sempre que a perícia não inclui apenas as habilidade da mesma, mas os recursos envolvidos no uso da mesma como equipamento, perícia, diagnósticos…

Exemplo: Bobby está tentando levar todos para invadir um depósito onde eles ouviram rumores está depositado uma série de itens contrabandeados que, eles acreditam, vieram de um outro plano, provavelmente a mando de ou coletados por Morgause. Enquanto eles vão se preparando, Helen pega uma corda que ela tinha no seu Flat no Edifício Dakota para ajudar. Entretanto, Bobby suspeita que a corda não seja forte o bastante. Normalmente para saber se uma corda é forte o bastante, o rolamento mais provável seria Conhecimentos, mas Vigor e Roubo também são opções, Vigor por ser literalmente testar se a corda estoura quando tem força aplicada nela, e Roubo por cordas serem uma típica ferramenta de um ladrão. Após um rolamento Bom (+3), o Narrador decide que Robert percebe que a corda não é das melhores, mas que dá para reforçar de maneira improvisada com nós e trançados.

“Helen, da próxima, tira o escorpião do bolso, por favor. Vamos gastar um tempão agora!” diz Robert, um pouco frustrado, enquanto improvisam rapidamente reforços na corda que trouxeram.

Narre, não peça! (ou como uma descrição esperta pode salvar você)

Dito isso, uma coisa importante: se você quiser fazer o velho truque de tentar forçar os rolamentos a serem sempre para sua melhor perícia, JUSTIFIQUE. Use de maneira Inteligente suas descrições para convencer o narrador que os resultados serão mais interessantes se você utilizar sua melhor perícia.

Isso não é errado: o Fate é um jogo que se foca em um estilo mais cinematográfico, onde você pode (e deve) tornar suas descrições mais interessantes. Boas descrições irão favorecer você!

Exemplo ruim: Pericles precisa consertar sua arma que está Emperrada. Então ele diz ao narrador “Quero consertar minha arma!” Desse modo, o rolamento seria por Ofícios, que Pericles tem Medíocre (+0). Além de ser uma descrição CHATA, ela não ajuda Pericles.

Exemplo bom: Pericles precisa consertar sua arma que está Emperrada. Então ele diz ao narrador “Bem… A grande sorte é que na Polícia, quando te ensinam a usar uma arma, te ensinam a USAR uma arma, e isso inclui realizar a manutenção da mesma!” Essa descrição torna mais interessante as coisas a trazer um pouco de descrição e narrativa. Nesse caso, o Narrador percebe que a descrição justifica usar Atirar ao invés de Ofícios para realizar a manutenção da arma. Afinal de contas, como dissemos anteriormente, as Perícias oferecem não apenas a capacidade de realizar as ações, mas as ferramentas para o fazer.

Lembre das consequências das ações

Uma coisa importante: rolamentos falhos não implicam em falha. Existem coisas BEM MAIS INTERESSANTES, em especial em caso dessas “trocas de perícias”.

Pense que o resultado da falha pode ser tanto não alcançar o que você deseja quanto “alcançar, mas a um grande custo”! Aqui, coloque sua máscara BDSM (apenas para adultos, em quatro paredes e sendo consensual!) e imagine as possibilidades.

Em 2018, no blog da Evil Hat (traduzido por este que vos fala) ele sugere a ideia de analisar os riscos envolvidos no rolamento e, baseando-se nisso, decidir potenciais riscos em caso de Falha. Isso pode ajudar a decidir custos interessantes que permitam a história se mover de maneira divertida e fluída.

Exemplo: O narrador decide que Pericles pode sim utilizar Atirar no lugar de Ofícios para reparar sua pistola. Entretanto, ele também resolve pensar nos Riscos envolvidos.

Pensando na lista do Artigo apresentado (Custo, Dano, Revelação, Confusão, Desperdício, Ineficácia, Efeito Colateral, Atraso), o narrador pensa que Custos, Revelação, Dano, Efeito Colateral ou Atraso são boas opções para essa situação:

  • Custo: Robert pode ter que comprar umas peças no mercado paralelo e isso depois isso se voltar
  • Dano: O cansaço e estresse de desemperrar arma faz com que Pericles fique Exausto
  • Revelação: entre as peças que ele substitui pode estar algo com o número da sua arma o que vai dar pistas para adversário o seguir
  • Desperdício e Atraso: Robert teria que ficar de fora da próxima cena, reparando com todo cuidado sua arma (e vai ser nessa cena que Morgause vai pegar os Fae Guardians em separado!)
  • Efeito Colateral: A arma está reparada, mas com uma chance que, em caso de falha durante um ataque, ela Exploda na mão de Robert
  • Ineficácia: usando peças de segunda mão, a arma tem problemas na Potência da mesma, o que pode reduzir a força do ataque

Isso é legal: embora você possa, desde que narrativamente explicado, utilizar outras perícias no lugar de uma específica, pense que consequências podem ser interessantes de trazer, ou mesmo nenhuma se tudo for explicado corretamente. Lembre-se: em Fate, você só rola os dados se sucesso e falha forem interessantes na narrativa. Se a falha não permitir nada interessante, apenas aceite o sucesso, ou peça um Ponto de Destino. Não há necessidade de complexidade excessiva.

Façanhas: As coisas em que você é foda!

Façanhas são basicamente a forma que o Fate te provê de mostrar aquelas coisas que você é fantástico ou que você tem de fantástico.

Pode parecer que isso também tem a ver com Aspectos, e de certa forma até tem (veremos abaixo). Entretanto, os custos são menores (em geral não precisa pagar Pontos de Destino e Façanhas não podem ser usadas mecanicamente “contra” você), mas os usos também (você tem normalmente restrição na perícia, ação e/ou situações nas quais se aplicam os efeitos).

Muitas vezes, também, as Façanhas em termos narrativos são usados para explicar coisas especiais, como um treinamento secreto, uma arma especial, uma capacidade específica de seu povo/raça/espécie/clã/ancestralidade/preencha-aqui-a-forma-de-distinção. Em alguns casos, isso será uma permissão que você precisará para ter acesso a isso, como vimos quando falamos de Extras e do Fractal do Fate.

Um exemplo é relacionado a Wearing the Cape, onde os poderes são relacionados a Façanhas associadas a cada Tipo de Poder (um Aspecto que você compra )

Exemplo: Andrew “Aubergine” Lamarca é o Portador do Coelho Branco. Devido a isso, ele possui a capacidade de Sincronicidade, ou seja, tudo acontece para que ele esteja em um local ou ocorra um evento a ele favorável, mas só quando ele estiver sob pressão em relação ao tempo (🎵 É tarde, é tarde, é tarde! 🎵). Essa Façanha então seria descrita assim

Sincronicidade: quando sob pressão relacionada a tempo (por exemplo, se atrasando para chegar a um lugar), Andrew recebe +2 nos rolamentos de Superar relacionados.

Se você parar para pensar, Façanhas podem ser entendidas como formas consolidar certas habilidades especiais. Inclusive, como dissemos ao mencionar Façanhas, mostramos como um personagem pode ser muito mais forte em uma situação específica que um “generalista” padrão do Fate.

Vamos mencionar agora como ser mais gramático que matemático ajuda nas Façanhas.

Qual equipamento eu tenho?

Como dissemos acima, temos que lembrar que em Fate, as perícias na pirâmide implicam que você não apenas tem a habilidade necessária, mas as ferramentas para a exercer. Diferentemente de outros jogos, você não precisa explicitamente comprar uma Espada se seu Lutar estiver na Pirâmide. Entretanto, a sua Espada, ou Lança, ou Sabre de Energia, não farão diferença real no combate, como falamos em nosso primeiro Oh! Toodles! ao mencionar o Efeito 3&DT.

Algumas vezes, entretanto, você vai querer equipamento mais poderoso. Aqui a ideia é que você tente descrever equipamento de uma maneira que enriqueça a narrativa. Conseguindo fazer isso de maneira legal, o benefício mecânico ficará óbvio. Você não estará cortando o inimigo com uma espada qualquer, mas sim com a Excalibur ou com a Espada Olímpica. Atirar com qualquer arma é legal, mas usar uma Gunblade ou O Velho 38 de serviço do meu pai é bem legal!

Equipamentos serem Façanhas é bem legal, pois isso ajuda a dar o senso mais “tradicional” das armas como algo que aumenta a força do personagem, mas ao mesmo tempo permitindo que você adicione novas capacidades.

Nomes genéricos vs nome específico

Muitas vezes, ao ler manuais, você perceberá que nomes de Façanhas tendem a parecer “genéricos” (Golpe Matador, Escudo da Razão, Já li sobre isso…). Aqui fica claro que isso é porque manuais tem que ser referências boas, de modo que você possa a usar em qualquer cenário.

Mas uma boa forma de dar um tempero é reescrever o nome da Façanha para algo mais dentro do cenário, pois isso ajuda a trazer as coisas para dentro do estilo.

Exemplo: Golpe Matador pode ser, por exemplo, Técnica Especial: Jutsu do Vazio em um jogo de Ninjas, Força do Touro em um estilo medieval ou simplesmente Chutando o Saco em um jogo de Gangsteres!

Isso pode ser uma boa forma também de tentar traduzir uma Façanha de uma outra perícia para algo que você queira usar em uma perícia na qual você seja melhor. Também pode ser interessante para realizar ajustes temáticos conforme a perícia.

Exemplo: Helen possui muito dinheiro devido aos seus Recursos altos, então ela decide que pode ser legal ter uma gama de Peritos Confiáveis em sua agenda para a ajudar nos momentos certos. Para isso, ela opta por comprar uma Façanha com esse nome, mas similar a Já li sobre isso. Ela quer também não depender de pagar Pontos de Destino. O Narrador propõe uma mecânica de rolamento em Recursos que, em caso de Falha, implicará que Helen estará Em Débito com o perito. Além disso, Helen só pode recorrer a isso uma vez por sessão.

Então, o que Helen teria seria algo como abaixo:

  • Perito Confiável: Uma vez por sessão, Helen pode trazer à cena um Perito em alguma coisa relacionada a uma outra perícia, e usar o resultado do rolamento no lugar dos testes da mesma. Para isso, ela deve rolar Recursos contra uma dificuldade Razoável (+2), como uma Ação de Criar Vantagem. O valor para os testes é igual ao rolamento desse teste ou a dificuldade dele, o que for maior. Em caso de Falha, o Perito agirá por Helen, mas ela estará Em Débito com ele (como um Aspecto nela). Dê um nome e um Conceito, o Narrador colocará uma Dificuldade.

Estresse e Consequências - Apanhando de Maneira Narrativa

Fate é um jogo tão focado na Narrativa que o dano é apresentado em especial na forma de Estresse (a plot armor do personagem, os pequenos ralados, contusões e sustos) e Consequências (ou Condições, em alguns casos.

No caso, vamos focar nas Consequência e nas Condições (as últimas na prática sendo apenas Consequências prenomeadas). Consequências são Aspectos que aparecem em jogo como resultado de ferimentos, traumas mentais, gafes sociais, ações financeiramente equivocadas, entre outras formas de prejuízos sofridos pelo personagem em Conflitos.

Muitas vezes isso parece ruim: afinal de contas, na ação de Ataque, quando você sofre uma consequência, ela entra como um Aspecto. E pior: com uma invocação gratuita para quem provocou essa Consequência nele.

Entretanto…

…uma Consequência é um Aspecto, e portanto pode ser Invocado a seu favor também.

Duvida?

É porque você não conhece Kannin Dragon, o único ninja que realmente sentou o braço no Jiraya.

E ele estava Bêbado (Consequência Suave).

Lembre-se que Consequências tem seu nomeamento negociado entre as partes. Normalmente será algo “negativo” de imediato (lembre-se que aqui estamos falando de um Aspecto, portanto não existe Negativo ou Positivo). Mas um jogador criativo pode usar bem (na verdade, Deveria) seus Aspectos e descrições que o ajudem.

Em especial, após um Conflito, você deve renomear a Consequência sofrida para que a recuperação comece a ocorrer. Isso é feito com testes específicos ou com a passagem de tempo, conforme o jogo.

Helen sofreu muito no último duelo mágico com Lilandre, uma das lugares-tenentes de Morgause: ela utilizou uma maldição mágica que fez com que ela tivesse sua Juventude Roubada. Após algum tempo de descanso, Helen renomeou essa Consequência para A Face de uma Bondosa Velhinha indicando que ela já não tem mais a dor do sofrimento da juventude que lhe foi roubada.

Enquanto os Fae Guardian estão caminhando de volta para casa, uma gangue de delinquentes vai tentar alguma gracinha com eles. Ela então declara: “vou olhar bem nos olhos deles, com o sorriso mais doce que eu puder, mostrando as bochechas coradas da Face de uma Bondosa Velhinha e dizer ‘Meus jovens, o que vocês pretendem? Não acham que um grupo de jovens como vocês atacar uma pobre velhinha e seus acompanhantes não é um pouco demais? Que vergonha, puxa vida…‘“ Essa descrição, usando a Consequência que ela sofreu permite que ela role sua Comunicação Bom (+3) como um Ataque contra a Gangue de Arruaceiros Regular (+1). Ela consegue um bom +-++ (para um final Excepcional (+5)). Eles conseguem apenas manter-se em Regular (+1) com um -++-. Desse modo, eles acabam sofrendo dano o bastante para os derrotar, fazendo eles se voltarem morrendo de vergonha de não conseguir atacar uma vovozinha parecendo a Fada Madrinha da Cinderela.

“Imagina se eles soubessem que você tem apenas 42 anos.” diz Pericles, rindo quando eles viram a esquina.

“Nunca se pergunta ou revela a idade de uma dama, sabia?” diz Helen, dando um tapinha de leve no ombro de Pericles.

Estresse, Consequência e Sucesso a Custo: Esforço Extra e Esforço Extremo

Uma regra interessante que foi apresentada no Fate Ferramenta de Sistemas (e tornada mais válida no Fate Condensed) envolve o conceito de Esforço Extra e Esforço Extremo. Basicamente ela diz que, em caso de Falha, o Mestre pode autorizar que você “compre” o sucesso sofrendo Estresse e Consequências.

Como isso pode funcionar? A qualquer momento que você precise (sob autorização do Narrador), marque uma Caixa de Estresse, ou anote uma Consequência em um slot vazio, e receba o valor daquela Caixa ou Slot marcado como um bônus para o seu rolamento.

Isso viola um tanto a Economia de Pontos de Destino, mas pode ser dramaticamente interessante se bem feito. Se o seu Narrador adotar essa regra, tenha certeza de descrever bem o resultado dos rolamentos em conjunto com o Narrador, para quem sabe ele te autorizar a obter um Sucesso por meio do Esforço Extra.

Hoje não é o dia dos Fae Guardians: alguém os mandou para a Floresta das Trevas, onde Pericles obteve seu Escopo após provações e dores terríveis. E eles conseguiram chegar em casa de tijolos no meio da mesma. Entretanto, o rolamento de Pericles não foi nada bom: um Medíocre (+0) contra o rolamento Bom (+3) dos Lobisomens que querem os devorar. O jogador de Pericles então diz: “Pericles começa a fazer a maior força possível sem recorrer ao Escopo, gritando: ‘Não dessa vez, seus desgraçados!’, empurrando quase ensandecido a porta pela qual dá para se ver o focinho babando dos lobisomens loucos por carne fresca”

O Narrador decide que parece uma boa hora para dar uma chance ao Esforço Extremo de Pericles (ao menos aparenta ser o que ele está pedindo) e descreve. “Bem, Pericles… Você faz uma força tremenda, o que te impede de perceber que seu braço está em uma posição totalmente ruim para empurrar uma porta. Você só se dá conta do Braço Deslocado quando a porta se fecha, e seu braço desencaixa da clavícula, com um dolorosa e familiar sensação.”

Pericles senta-se atrás da porta, enquanto Bobby procura acender a lareira para gerar luz e calor que assustem os lobisomens, e Helen corre para os primeiros socorros em Pericles. “Já não sou mais tão novo para fazer dessas.” diz Pericles, lacônico, com a mão boa no braço deslocado.

Isso permite um recurso narrativo extra: troque um dano ao personagem com uma boa descrição narrativa por um sucesso em algo que normalmente não teria.

Consequências extremas - quando tudo muda

Consequências Extremas não são mencionadas na lista de slots, e existe um motivo: são formas de dano tão sérias que modificam um dos Aspectos do personagem, removendo-o e substituindo pelo que aconteceu ao mesmo. Ela absorve 8 pontos de Estresse, mas só pode ser pega uma vez a cada Marco Maior, e substitui algum dos Aspectos do personagem à exceção do Conceito, não podendo ser renomeado até o Marco Maior SEGUINTE!

Mas às vezes, pode ser interessante para momentos onde o drama está no espaço e as apostas são grandes, onde sacrifícios realmente pesados precisam ser feitos. Pense nisso combinado com o Esforço Extremo.

Morgause derrubou Pericles e Bobby, que estão à beira da morte. Helen também está muito desgastada, mas ela sabe que ela não pode parar agora, a não ser que ela queira que Nova Iorque vire uma Floresta Sinistra, com todo tipo de criaturas terríveis perseguindo as pessoas como já estão fazendo no Central Park. Ela olha para sua varinha e decide que é hora de ir no All In!

“Morgause, você fez a única coisa que não deveria: deixar uma Fada Madrinha realmente brava! Para a Escuridão Expulsar, minha aparência e juventude quero sacrificar! BIBBITY-BOBBITY-BOO!!!” , fazendo uma série de gestos místicos com a varinha

“Peraí. Deixa eu ver se entendi.” diz o narrador “Helen vai jogar fora algum dos Aspectos dela e se tornar uma Velha Fada Madrinha? Agora é pra valer?”

“Bem… É isso ou deixar essa zinha vencer.” diz a jogadora de Helen “E estou pela tampa com ela. Helen sabe o que está em jogo.”

“Ok… Me parece interessantemente dramático. Mas isso vai ser uma Consequência Extrema. O que você acha de colocar a Velha Fada Madrinha no lugar do Pobre Menina Rica?”

“Era exatamente o que estava pensando… Com um pouco de fé, confiança… E bons dados… Vou expulsar Morgause.” diz Helen.

Com seu nível Razoável (+2) em Fábulas, mesmo o ++++ Inacreditável que ela rolou não iria ferir misticamente Morgause, que possui Lendário (+8) na perícia, mesmo considerando o fato que Morgause conseguiu apenas 0000.

Entretanto ela quer garantir que vai mandar Morgause pro espaço, e ele tem outras formas para garantir…

Morgause também está Exaurida Misticamente para se proteger dos diversos ataques de Pericles (uma Consequência que Pericles Aplicou previamente), além de estar Ensandecida com as Provocações de Robert (outra Consequência).

E Helen decide usar tudo isso:

“Morgause vai abrir a guarda ao perceber o que estou fazendo: ela sabe que se eu conseguir essa magia, ela está Morta, bem Morta. Eu quero aproveitar que ela está Ensandecida e Exaurida Misticamente, e somar isso com o meu Esforço Extremo para +12… Acho que com o +6 do Esforço que eu tive vai para +18, o que passa em 10 o Esforço dela.” diz a jogadora de Helen.

“Meio Overkill, Mas efetivo: quando Morgause percebe, tarde demais, o que você quer fazer, ela corre que nem uma possessa contra você, soltando algum tipo de imprecação. Pericles e Robert vê uma poderosa aura mágica brilhante sair do seu corpo e engolfar Morgause, que se desmancha como se fosse borralho de lareira. Quando vocês todos acordam, vocês veem que Helen agora parece, mais do que nunca, a Fada Madrinha da qual carrega o Escopo, uma senhorinha de bochechas gordas e coradas com um robe azulado com forro em rosa. Ela parece bem exausta.”

“Caramba!” diz Robert “Espero que essa seja o fim!”

“Sem dúvida.” confirma Pericles “Parece que Helen no fim das contas pagou o preço para proteger a nossa realidade… Pena que poucos vão saber.”

O sol se ergue, tocando a pele de Helen, revelando algumas rugas abaixo dos olhos que se abrem.

Conclusão - Mais Gramático que Matemático

Fate tem uma grande vantagem em relação a outros RPGs: em qualquer situação bem descrita, a descrição permite que você se beneficie mecanicamente da mesma e que os resultados mecânicos da mesma sejam interessantes na narrativa.

Não há, em Fate, “ação perdida”. Usando bem suas ferramentas, você sempre será útil, sempre poderá fazer algo e sempre conseguirá o que deseja.

É só propor a narrativa e correr os riscos certos.

Até mais e lembrem-se…

…rolem +4!

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